A Visirova
Roger Vailland
Prefácio: René
Ballet
Tradução: Maria
Gabriela de Bragança
Capa: Vítor
Costa
Biblioteca de
Bolso Dom Quixote nº 12
Publicações Dom
Quixote, Lisboa, Março de 1987
A Visirova e eu estamos de novo sentados lado a lado
no bar de Eden Roc, no Cabo de Antibes. O Mediterrâneo resplandece amenamente
ao sol de 1933. As flores aliam o seu perfume ao do tomilho da terra seca da
Provença.
As americanas, alemãs, checoslovacas e escandinavas
saltam sucessivamente da água, e vêm tomar um porto depois do banho matinal.
Têm toda a beleza do luxo e da despreocupação.
Jovens bronzeados dão estrepidosas palmadas nas costas
uns dos outros.
Tânia terminou a narrativa da sua prodigiosa aventura.
Quem imaginaria aqui que a jovem mulher que acompanho, tão comedida nos gestos,
um pouco afectada no seu tailleur,
inquietava, ainda há dois anos, um ditador e um rei de dois grandes países
europeus, e quase levou à guerra ferozes tribos montanhesas, que viviam como há
trinta séculos, para lá dos desfiladeiros que poucos europeus transpõem?
Agora a jovem fala-me do seu pai que, lá longe, na
Rússia, deixou a bela doutora, e escreveu a dizer que desejava vir ter com a
mulher e a filha, Mme Visirova perdoou-lhe, e faz agora s necessárias
diligências para que ele possa vir para França.
E então? O ex-procurador virá ter com a esposa e
viverão tranquilamente no cabo de Antibes na companhia da sua filha? E Tânia,
seca e angulosa, dirá daqui a vinte anos: «Lembras-te, mãe, de quando estávamos
na Trasúbia?» Será possível?
Avançamos novamente a pequena vivenda pelos caminhos
estreitos do cabo, e a Visirova vai puxando os ramos perfumados para lhes
aspirar o cheiro.
- Tânia…
- Sim?
- Ainda pensa muito nisso?
-Sim, muito.
- Espera lá voltar?
- Não. Mesmo que ele me pedisse, eu recusaria.
Aproximamo-nos do pesado portão onde se pode ler numa
tabuleta: «Cuidado com o cão». Mesmo em França, o que Mme Visirova maisreceou
foram os inimigos trasúbios da sua filha.
- Tânia – digo novamente.
- O que é?
- Você é feliz?
- Não, não sou. Compreende? Não espero mais nada, e
contudo ainda espero alguma coisa.
«É um pouco como no dia em que vi aparecer a costa
trasúbia da popa do pequeno vapor italiano. Sentia-me cheia de esperança, e no
entanto não sabia o que esperava.
Tânia Visisrova tem vinte e cinco anos. É ainda tão
bela como na época em que Paris inteira a aplaudia nas Folies-Bergère. E além
disso, é evidente que tem um destino: não é dado a toda a gente ter um destino.
Enquanto não desperta o novo rosto da sua vida, ela
vai passando, na tranquila vivenda Alba-Tânia, calmos serões a ler, como fazia
o seu real amante, as Memórias
de Napoleão.
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