As Boas Intenções
Augusto Abelaira
Capa: José
Cândido
Livraria
Bertrand, Lisboa, 1971
- Na educação que me deu houve um erro gravíssimo. O
pai devia ter perguntado, antes de começar a educar-me: «Como será o mundo
quando a Maria Brenda for crescida?» Eis o problema. Se tivesse a certeza, se
fosse verossímil prever que nessa altura o mundo seria diferente e melhor, mais
humano, mais inteligente… Então compreendia-se que me desse a educação que me
deu. — Recolhe o copo, vai pô-lo em cima da mesa. — Imagino que tenho um filho.
E sinto isto: o mundo de amanhã não está nas minhas mãos. Quer dizer: posso
educar bem o meu filho, o melhor possível… Mas que importância tem isso para a
felicidade dele, ou melhor: tem muita importância, mas uma importância às
avessas… De que serve a uma leoa ensinar ao filho a alegria de correr na selva
se ele tiver de passar a vida fechado num jardim zoológico? O pai enganou-se…
Educou-me para outro mundo, um mundo onde o João Franco não era possível, um
mundo livre da miséria. Devia ter-me ensinado a ser violenta, a desprezar os
outros, a acreditar estùpidamente num credo qualquer. Ensinou-me a ser infeliz.
- Ainda segura o copo, embora já o tenha poisado na
mesa. - Se eu tiver uma filha hei-de educá-la para este mundo. - Apoia o
cotovelo na secretária, fica assim levemente inclinada. - Educá-la-ei para ser
feliz neste mundo onde a tirania e a miséria reinam e hão-de reinar. De
contrário, arriscar-me-ia a enviar a minha filha para as prisões ou a sofrer
porque não tem essa coragem. Educá-la-ia a morrer, afinal. - Muito baixo, o pai não pode ouvir. - Ensiná-la-ei
a ser uma flor de papel.
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