«Mas não estás
com mau aspecto.
Eu nunca esperei acabar nisto.
Nisto, como?
Eh pá: com criadas, auxiliares, assistência médica. Fazem-me a cama, limpam-me o quarto.
Não te sentes sozinho?
Não. Tenho uma memória muito razoável. Já não posso ler, já não posso escrever, de modo que repiso o que vivi. Depois há malta que vem cá e me conta umas coisas de que eu já não me lembrava.
Não escreves, mas podias ditar para um gravador.
Eu cheguei a ter um Diário Falado, gravado para as cassetes.
E onde é que estão essas cassetes?
Algumas deve-as ter o Paulo. Outras perdi-as nas pensões, nos sanatórios, por aí… Um diário, escrito ou falado, torna-se um vício, uma espécie de dependência. Mas depois também passa.
Ouve lá: quais os escritores portugueses actuais que pensas que serão lidos daqui a 50 anos?
Os que vierem nos programas escolares. Achas que os putos agora lêem A Sibila? É uma maravilha aquele livro, mas que miúdos urbanos de hoje é que vão ler aquilo? O Pessoa perdura, de certeza. Não sei se o Saramago e o António Lobo Antunes têm tomates para continuar. Não faço ideia do Herberto. Esse é diferente, é poesia, mas a prosa dele também é muito boa. Mas quem é que lê hoje Os Passos em Volta?
Muita gente, e jovem.
Ai é!? O Herberto é muito complexo. Não será o nosso maior poeta, mas é muito bom.»
Pensas na morte?
Penso, mas não quero que ela me apanhe a dormir. Quero vê-la chegar.
Eu nunca esperei acabar nisto.
Nisto, como?
Eh pá: com criadas, auxiliares, assistência médica. Fazem-me a cama, limpam-me o quarto.
Não te sentes sozinho?
Não. Tenho uma memória muito razoável. Já não posso ler, já não posso escrever, de modo que repiso o que vivi. Depois há malta que vem cá e me conta umas coisas de que eu já não me lembrava.
Não escreves, mas podias ditar para um gravador.
Eu cheguei a ter um Diário Falado, gravado para as cassetes.
E onde é que estão essas cassetes?
Algumas deve-as ter o Paulo. Outras perdi-as nas pensões, nos sanatórios, por aí… Um diário, escrito ou falado, torna-se um vício, uma espécie de dependência. Mas depois também passa.
Ouve lá: quais os escritores portugueses actuais que pensas que serão lidos daqui a 50 anos?
Os que vierem nos programas escolares. Achas que os putos agora lêem A Sibila? É uma maravilha aquele livro, mas que miúdos urbanos de hoje é que vão ler aquilo? O Pessoa perdura, de certeza. Não sei se o Saramago e o António Lobo Antunes têm tomates para continuar. Não faço ideia do Herberto. Esse é diferente, é poesia, mas a prosa dele também é muito boa. Mas quem é que lê hoje Os Passos em Volta?
Muita gente, e jovem.
Ai é!? O Herberto é muito complexo. Não será o nosso maior poeta, mas é muito bom.»
Pensas na morte?
Penso, mas não quero que ela me apanhe a dormir. Quero vê-la chegar.
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