sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

OLHAR AS CAPAS



Antimundos

Voznessenski

Versão e Prefácio de Armando da Silva Carvalho
Capa: Fernando Felgueiras
Cadernos de Poesia nº 12
Publicações Dom Quixote, Lisboa, Maio de 1970

Fogo nas Belas-Artes

Há fogo nas Belas-Artes!
Nas aulas, nos desenhos,
como gritos de amnistia através das grades
nós gritamos: Fogo!

Na frente adormecida
impudica, insolente,
há uma janela a arder,
vermelha, chamejante!

Apresentámos já as nossa teses,
é agora a vez de as defender.
E debaixo dos pesos, nos armários,
são os meus trabalhos que crepitam!

Whatman – rasgado
num rubro cair de folhas!
Os meus projectos ardem
e ardem as cidades!

Alimentada a petróleo
a chama devorou cinco anos –
cinco Verões e cinco Invernos…
Karinotchka Kracilnikova,
repara como nós ardemos!

Adeus ó Belas-Artes!
Deixai arder à vontade
os presèpiozinhos com os seus amores
e todos esses céus de rococó!

Ó juventude, ave do paraíso,
ó ave louca,
o teu diploma transformou-se em chamas!

Agora é tempo de nos separarmos.
A vida – um punhado de cinzas.
Todos nós ardemos.
Ardemos porque estamos vivos.

E amanhã, nos dedos que desenhem,
uma abelha irá deixar o seu veneno:
a ponta de um compasso
em mãos cruéis.

… Mas tudo ardeu já completamente.
Entre suspiros.
Tudo acabou! E tudo recomeça!
E o melhor é imos ao cinema.

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