domingo, 5 de junho de 2011

IDÍLIO EM BICICLETA


“A caminho de Huamachuco, a estrada trouxe uma novidade absoluta: as mulheres, em vez de andarem de fuso e velo de lã na mão, tecem longas e coloridas peças de tecido – ou faixas decorativas – no processo mais artesanal que poderia imaginar…”


“Esgaravatando a vida a golpes de picareta
Pouco depois de deixar Huamachuco, a chuva alia-se à montanha e a progressão torna-se um pouco mais lenta e sofrida. As escassas habitações vão ficando para trás e, chegado ao topo da serra, apenas alguns rebanhos de alpacas parecem resistir ao duro clima do extenso planalto, mais alto do que plano. Um ou outro casebre, de lata, terra e bocados “do que calha”, ergue-se, isolado, no vazio da montanha. Por vezes, nas imediações erguem-se robustos muros de pedra, formando currais onde guardam as alpacas. Não há vizinhos, não há electricidade, não chega a haver aldeia ou mercearia, não há campos de cultivo, apenas um casebre onde se aloja uma família de pastores, de faces que não se percebe se são negras ou rosadas, lábios roxos ou negros, cabelos negros, da cor dos olhos, das mãos e talvez do coração ou do futuro.”


“Mesmo na encosta em frente a Quiruvilca, outra mina de “metais” parece ser a única fonte de emprego da “aldeia”. Com tanta riqueza em redor, a brotar do subsolo, não se compreende a miséria deste povoado, de longe o mais horrendo, sombrio, degradado, caótico com que me deparei ao longo destes meses de viagem – ou talvez seja o contrário, talvez seja a miséria e degradação das Quiruvilcas que alimenta de ouro, prata e diamantes as avenidas douradas de Nova York, Paris, Londres... As ruas são becos sombrios, sujos, estreitos e labirínticos. As casas são barracas sujas, inacabadas, com cobertura de lata ou colmo. Os cheiros são uma mescla explosiva de detritos, comida, urina… De onde quer que se observe Quiruvilca – de cima, da estrada que vem da montanha, ou de dentro, das ruelas caóticas – vê-se um grande bairro de lata, do qual apetece fugir”

Mas a riqueza do planalto parece ser as minas. “A maior mina de ouro do mundo”, garantem dois trabalhadores solitários que marcam os quilómetros da estrada, e com quem partilhamos as tangerinas e uns pãezinhos secos, não dista muito de Quiruvilca. E pouco depois da mesma Quiruvilca, em Shorey, outra enorme mina de ouro, prata e não sei que mais, domina a paisagem. Passam três carrinhas de alta segurança, com a suspensão bem baixa…devem levar uma boa maquia!

Texto e imagens de Idílio Freire.

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