A páginas 364 das
suas Memórias, Rómulo de Carvalho
começa a contar aos seus tetranetos que, nos começos do ano de 1996, «lá mais para o fim do ano, em Novembro,
completo os noventa, idade muito razoável para dar por terminada esta amarga
experiência de existir», deu entrada no Hospital de Santa Maria.
D. Olga, sua calista,
corria o mês de Janeiro, falou-lhe que tinha os pés inchados, e também as
pernas. Passou-se Fevereiro, e no início de Março, «apareci com muita tosse e expectoração com sinais de sangue. Eu próprio
me sentia fraco, no caminhar e no respirara, mas fingia que não percebia».
A mulher, Natália
Nunes, falou com o filho que apareceu em casa com um médico das suas relações
que o observou.
Eu estava sentado na minha cama, de pijama e chinelos, indiferente ao
que se passava. O médico observou-me, auscultou-me minuciosamente, voltou a
auscultar-me e disse, com voz velada mas segura, que eu tinha de r de imediato
para o hospital.
(…)
Entrei no hospital no dia 6 e saí no dia 27. Estive internado vinte e
um dias.
Imaginarão vocês, meus queridos tetranetos, o que seja estar vinte e um
dias, de roupão, pijama e chinelos, à noite estendido na cama, de dia sentado
num cadeirão a um canto do quarto, a olhar para o tecto, para o chão e as
paredes, com uma agulha permanentemente espetada numa veia, agulha essa
ajustada ao termo de um tubo de borracha que saía de um recipiente cilíndrico de
vidro fixado no alto de um suporte metálico com três pés na base para assentar
no chão. Para onde eu ia, ia aquilo tudo comigo.
(…)
Soube depois que durante os primeiros quatro ou cinco dias em que
estive hospitalizado corri perigo de morte.
(…)
O quarto tinha um lavatório de parede onde a torneira da água fria não
vedava bem e a água sempre a correr em fio. É claro que a direcção do hospital
não sabe disso porque, se soubesse, mandava arranjar a torneira.
(…)
Quanto à comida, meus queridos tetranetos, mais ou menos sempre a
mesma, mas quando era diferente tinha o mesmo gosto. Era comida fabricada e
fornecida por uma empresa. Eu como sempre muito pouco, por falta de apetite e
por a comida ser má.
(…)
E aqui estou. Não
saio à rua porque me sinto fraco. Só acompanhado, e já o tenho feito, sob a
protecção da vossa tetraavó Natália, É como quem vai passear o cão com a
diferença de que o cão tem de ser passeado todos os dias, e eu só de vez em
quando.
E como estou? Menos
mal. Da grave moléstia que tive suponho que estou bem mas, do que padeço
permanentemente, é das consequências da minha diverticulose intestinal, e
suponho que essa virá a ser a causa do meu fim. Pois que venha esse fim, mas
com o menos sofrimento possível. Este é que temo; não aquele.
Rómulo de Carvalho em
Memórias
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