Chegamos ao fim da
viagem, iniciada em 27 de Setembro de 2017, que fomos fazendo sobre a Correspondência entre Sophia de Mello Breyner Andresen e
Jorge de Sena.
A última carta do
livro é de Sophia.
Está datada de 1 de
Julho de 1978, é endereçada a Mécia de Sousa, e refere a morte de Jorge De
Sena, ocorrida a 4 de Junho:
Querida Mécia
Telefonei duas vezes sem a encontrar. Sentia-me angustiada demais e
queria encontrar a sua voz. E não a tendo encontrado não tive coragem para as
palavras abreviadas do telegrama.
Para além do desgosto e da saudade sinto um profundo acabrunhamento.
Do Jorge oiço o grande rio em cheio da sua poesia passando através do
espaço e do tempo em que vivo.
Sei que dificilmente existirá alguém que seja seu igual. E não me
consolo destes dezoito anos de ausência que poderiam ter sido dezoito anos de
convívio, de encontros, conversas, riso comum, aflições e alegrias comunicadas.
Comecei por ser amiga do Jorge pela profunda admiração pela sua poesia.
Depois descobri a sua lealdade, a sua simpatia, o seu calor humano, e uma
grandeza humana que estava inscrita na grandeza da sua poesia.
Agora passou-se tudo tão longe e tão depressa. O Jorge era ainda novo e
em plena força de criação e de combate. Há uma violência difícil de aceitar.
O livro termina com a
transcrição do poema que Sophia escrveu sobre a sua morte.
Chamou-lhe «Carta(s) a Jorge de Sena:
I
Não és navegador mas emigrante
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudade;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudade;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde
II
E agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa vida
E algo se desloca em nossa vida
III
Há muito estavas longe
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos que sempre voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem –
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como o filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse
Trazias contigo um certo ar de capitão de tempestades
– Grandioso vencedor e tão amargo vencido –
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos que sempre voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem –
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como o filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse
Trazias contigo um certo ar de capitão de tempestades
– Grandioso vencedor e tão amargo vencido –
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos
IV
E agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma carta
A morte vem como nenhuma carta
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