domingo, 4 de fevereiro de 2018

POSTAIS SEM SELO


As palavras são seres intranquilos. Mesmo as mais conformadas e mais comuns, dessas que servem, não para dizer, mas para comunicar, têm sobressaltos e caprichos de sentido que nos deixam de repente ainda mais desamparados diante do ameaçador mundo de todos os dias. E palavras desmesuradas e antigas, pelas quais pensámos um dia ser capazes de morrer e que envelheceram connosco ou julgávamos mortas, assomam-nos ainda às vezes aos lábios vindas do fundo da memória (ou quem sabe?, do fundo do coração) como se dissessem: «Sou eu não me ouves chamar?»

Manuel António Pina em Crónica, Saudade da Literatura

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