Escritos Íntimos
2º Volume
Roger Vailland
Tradução: Ana Rabaça
Colecção Estudos e Documentos nº 209
Publicações Europa-América, Lisboa s/d
5 de Junho de 1956 :
Regresso de Moscovo.
À minha chegada, quinze dias antes, a estátua em pé de Estaline estava
ainda no hall do aeroporto. No dia da minha partida, continuava lá, mas coberta
com um resguardo branco. Em breve a vão retirar. Os homens da construção civil
fixá-la-ão com nós corredios e puxarão a talha.
Cheguei a amar os tiques da sua linguagem. Colocava as primeiras pedras
de um raciocínio, depois dizia «prossigamos»; adorei isso. Mas ao regressar a
casa, foi bem preciso retirar o seu retrato da parede, por cima da minha
secretária; deixá-lo, seria ter tomado partido contra aqueles que, lá,
prosseguem a construção do mundo que ele começou a edificar, e a favor daqueles
que, aqui ou algures, aspiram à tirania.
Nunca mais colocarei o retrato de um homem nas paredes da minha casa.
No canto da biblioteca reservado aos historiadores da Revolução
Francesa tirei também as duas grandes gravuras da época, intituladas Jornada de
21 de Janeiro de 1793, Jornada do 16 de Outubro de 1793; vê-se aí o carrasco
mostrar à multidão a cabeça de Capet, um outro carrasco erguer o cutelo da
guilhotina, enquanto os auxiliares mandam subir para o cadafalso Maria
Antonieta. A multidão aplaude. Convencional, teria votado pela morte de Luis
XVI e pela de Maria Antonieta; quero com isto dizer que hoje ainda, em
circunstâncias análogas, votaria a morte. Mas Meyerhold que amo, que amava, foi
fuzilado, em execução de um julgamento injusto, ditado por Estaline, que eu
amava. Nunca mais poderei alegrar-me por o sangue ser vertido, mesmo o dos meus
inimigos, excepto se for por mim mesmo, em combate leal.
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