Aqui estamos nós, este salto sem rede, a habitual raiva que é um desejo de transformar tudo o que está mal. Poderá ser aquilo a que se chama futuro de que o poeta José Gomes Ferreira dizia que deveria ser a única coisa de que se deve ter saudades.
A terrível guerra que
assola a Ucrânia, e se não bastasse esta trgédia, assistimos, de longe, sempre de longe, a vontade que outras gentes têm
de fomentar velhas quezílias nas fronteiras da Sérvia e do Kosoovo.
Que desejar para o
novo ano, a dar os seus primeiros passos?
À memória vem a velha tia que, até morrer
perto dos 100 anos, sempre dizia, não se pede grande coisa: trabalho e saúde.
Cinzas, o meu cachimbo está apagado, o meu copo vazio.
Ou aquele poema de Jorge Sena ontem, no Cais, publicado:
«Já tudo escureceu;
contudo ainda resta algum dia
suspenso de onde veio a noite que chegou primeiro.
É de sempre este resto de dia
e acompanha-a pelo céu em busca das estrelas frágeis.
A noite, uma vez,
compreenderá que ele vem do mesmo lado que ela.»
Jorge Luís Borges disse um dia que, ao fim de tantos anos, ao fim de demasiados anos, chegara à conclusão que só devemos escrever sobre aquilo de que gostamos.
«- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Ah perdão, disse o principezinho.
Mas depois de ter reflectido, acrescentou:
- Que significa “cativar”?
- Tu não deves ser daqui, observou a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens. Que significa “cativar”?
- Os homens têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o
único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho. Ando à procura de amigos. Que significa
“cativar”?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. Significa “criar
laços”.»
Ana Hatherly: «Quando
eu era criança do que eu mais gostava era de cerejas».
O cheiro das
tangerinas que comia, na casa do pai no jantar do dia de Natal ou no de Ano
Novo. Tudo comprado com um enorme sacríficio, mas também um enorme gosto.
As tangerinas agora compradas, chamam-lhe clementinas, já não têm o cheiro, nem a doçura das
tangerinas da infância. Também já não sou o mesmo.
De uma reportagem num
velho Diário Popular, ali nos Restauradores, um Pai Natal a perguntar ao puto
que ia tirar a fotografia com ele:
«- Então o menino porta-se bem lá em casa?
- Eu porto. Quem não se porta bem é o meu avô que chega todos os dias bêbado.»
Para fechar a desconversa o poema
«Pólo Oposto» do checo Konstantin Biebl, encontrado na Rosa do Mundo – 2001 Poemas
para o Futuro.
«Surda languidez ao pé das palmeiras
Hoje seria Natal exactamente Natal
A ramagem e o fruto graxo sobre o galho
verdejam -
exércitos de insectos zunem em círculos eternos
Surda languidez ao pé das palmeiras
o leque de sombras da floresta
assusta a ave-do-paraíso
Penso na pátria e pensativo fito o chão
se a terra fosse transparente
daqui poderia enxergar debaixo de todas as saias da Europa
Pés brilham e deslizam entre babados
como as dançarinas
de Paris em passos rápidos sobre folhas de espelho
Penso em seus ombros nos ombros apenas
nos olhos nos lábios nos cabelos
e nos seios principalmente nos seios
Quantas amei quantas belas e brancas
chuva de rosas dos meus pés à cabeça
Uma única mulher negra me pertenceu
Surda languidez ao pé das palmeiras
Caminho aqui de cabeça para baixo
como se andasse sobre o tecto
Abaixo de mim profundeza brilha a voragem celeste
caminho feito Cristo vergado debaixo do Cruzeiro do Sul
Do outro lado do mundo os homens
correm correm ao avesso
Só fico pensando em seus sapatos de sola furada
Seus pequenos passos de criança
em jardins furta-cor
lançam folhagem sangrenta para baixo
A terra dos checos estende-se na outra parte do mundo
terra exótica e estranha
com rios profundos e fabulosos
pode-se atravessá-los de pés secos no dia onomástico de Jesus
temos outono inverno verão e primavera
As pessoas usam sobretudo gravatas
e bengalas
talvez esteja nevando agora
talvez a cerejeira esteja em flor
Amoras abundantes estão crescendo
E há água potável fresca»
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