Quase Verdades Como São Memórias
António Cartaxo
Capa: Sérgio Rebelo
Edições Colibri,
Lisboa, Dezembro de 2009
Havia zonas de Lisboa com figuras que, se não animavam, alegravam os
locais com o riso que provocavam nuns, o que era cruel, ou a pena e comiseração
que suscitavam noutros. Eram os loucos de Lisboa a quem a vida levava o juízo.
Havia os loucos amorosos, como a viúva do piloto Plácido de Abreu. Vestia de
cores extravagantes, cobria o rosto de rouge, os cabelos pintados enfeitados
com lacinhos azuis, verdes e amarelos. O seu poiso era o Jardim do Campo
Pequeno.
Havia um homem possuído pela loucura amorosa de Afrodite, o Noivo. Pelo
passeio da Avenida da Liberdade, andava para trás e para diante, incansável, em
passo acelerado, vestido a rigor, de rosa branca na lapela. Falava só, numa
lenga-lenga imperceptível. Enlouquecera, dizia-se, quando a noiva não aparecera
no dia do casamento.
Na Alameda D. Afonso Henriques, à noite parava o louco poético que, a
pedido, entoava belas e portentosas árias do repertório verdiano. Na nova
artéria da Praça de Londres, aos domingos à tarde, era o relator desportivo manque.
Moldava um jornal na forma de microfone e relatava o jogo principal da jornada futebolística.
Hora e meia para cima e para baixo a inventar jogadas, golos, penalidades e
foras de jogo (como hoje fazem alguns árbitros no seu perfeito juízo. Por fim,
o louco ritual, o Catinha, frequentadores das ruas do Estoril que às vezes
vinha a Lisboa. Vestia casaca preta. Postava-se nos passeios e, se via uma
criança prestes a travessar a rua parava o trânsito com um silvo do apito e
ajudava-a a passar para o outro lado da rua. Dizia-se que perdera uma filha por
atropelamento.
À vista desarmada, Lisboa não era uma cidade feliz, Muito menos o era
na sombra.
4 comentários:
-Louco amoroso -Abordo este curioso e enigmático caso no meu blogue (kontestu), ver MEMÓRIAS LONGÍNQUAS DA BAIXA LISBOETA.
Fui visita do seu blogue e só o Seve saberá das razões que o levaram a colocar-lhe um fim. Um blogue interessante e, não sei se alguma vez, num qualquer comentário, lhe cheguei a dizer que foi pelas suas palavras que comprei e li «A Louca da Casa» da Rosa Montero.
Andei, agora, por lá às voltas e não consegui dar com as «Memórias Lnngínquas da Baixa Lisboeta», mas também lhe devo dizer que a culpa é minha pois sou zero absoluto nestas coisas das informáticas.
Cheguei a conhecer estes , e outros, loucos da vida lisboeta. São histórias que me interessam.
Poderá fazer o favor de colocar aqui o link?
Obrigado.
Basta escrever no Google:
MEMÓRIAS LONGÍNQUAS DA BAIXA LISBOETA blogue Kontestu
Já cheguei ao seu texto, caro Seve, e gostei de o ler. Mais uma vez terei que dizer, as razões são suas, claro, que foi pena que tivesse fechado os taipais do «Kontestu».
Gostei de o ler porque, tendo nascido em Lisboa, e trabalhado na baixa lisboeta, estes personagens de que fala o António Cartaxo - assim como outros de que ele não fala, os conheci. E isso traz recordações, tal como se diz na velha canção, «Memories are Made of this».
Obrigado.
Enviar um comentário