A morte de António Cartaxo no passado dia 5 de Janeiro
traz-me a recordação de que foi António Cartaxo que marcou os meus últimos dias
em que ouvir a Antena 2 me dava um enorme prazer.
A rádio está
associada à minha vida.
Um tanto como Sam Shepard em Crónicas
Americanas:
«Conheci um guitarrista que dizia «a minha amiga
rádio». Sentia um parentesco menos com a música do que com a voz da rádio. A
sua qualidade sintética. A sua voz única, distinta das vozes que a atravessam.
A sua capacidade de transmitir a ilusão de gente a grande distância. Dormia com
a rádio. Falava para a rádio. Discordava da rádio. Acreditava numa Terra
Longínqua da rádio da Rádio. Como achava que nunca encontraria esta terra,
reconciliou-se consigo mesmo a ouvir a rádio. Acreditava que tinha sido banido
da Terra da Rádio e condenado a errar eternamente pelas ondas sonoras, ansiando
por um posto mágico que o devolvesse à sua herança há muito perdida.»
Ou ainda João Bénard da Costa em Crónicas: Imagens Proféticas e
Outras”, 2º volume.
«Meus dias de rapaz e de adolescente podem não ter
aberto a boca a bocejar, sombrios, mas abriram os ouvidos a escutar raios e
coriscos provindos de um aparelho que foi talvez a maior maravilha tecnológica
da minha tenríssima infância,
Sem a rádio eu não teria descoberto Mozart e
Beethoven, Schubert e Schumann, Wagner e Verdi, Mahler e Bruckner.
Vozes de outro mundo ou outro mundo em vozes, como os
filmes americanos dos anos 40 os encenaram, com a mau sublime expressão no
Clifron Webb de “Laura”: “Madder music and sronger wine.»
Ou o Luiz
Pacheco:
«Já não estou muito capaz de trabalhar, porque a memória, a vista, tudo isso inibe um tipo. Já não leio os jornais, não consigo. A minha ligação com o mundo é a rádio.»
Saber da morte de António Cartaxo deixa-me uma enorme tristeza.
Um homem, culto de uma simplicidade assombrosa, assim
como a incrível humildade de Carlos Paredes.
Por os dias da rádio da minha vida, e por António
Cartaxo, irei ouvir o Adagietto da 5ª Sinfonia de Gustav Mahler.
Porque a música é um romance sem fim.
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