segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

ANTÓNIO CARTAXO (1934-2023)


A morte de António Cartaxo no passado dia 5 de Janeiro traz-me a recordação de que foi António Cartaxo que marcou os meus últimos dias em que ouvir a Antena 2 me dava um enorme prazer.

 A rádio está associada à minha vida.

Um tanto como Sam Shepard em Crónicas Americanas:

«Conheci um guitarrista que dizia «a minha amiga rádio». Sentia um parentesco menos com a música do que com a voz da rádio. A sua qualidade sintética. A sua voz única, distinta das vozes que a atravessam. A sua capacidade de transmitir a ilusão de gente a grande distância. Dormia com a rádio. Falava para a rádio. Discordava da rádio. Acreditava numa Terra Longínqua da rádio da Rádio. Como achava que nunca encontraria esta terra, reconciliou-se consigo mesmo a ouvir a rádio. Acreditava que tinha sido banido da Terra da Rádio e condenado a errar eternamente pelas ondas sonoras, ansiando por um posto mágico que o devolvesse à sua herança há muito perdida.»

Ou ainda João Bénard da Costa em Crónicas: Imagens Proféticas e Outras”,  2º volume.

«Meus dias de rapaz e de adolescente podem não ter aberto a boca a bocejar, sombrios, mas abriram os ouvidos a escutar raios e coriscos provindos de um aparelho que foi talvez a maior maravilha tecnológica da minha tenríssima infância,

Sem a rádio eu não teria descoberto Mozart e Beethoven, Schubert e Schumann, Wagner e Verdi, Mahler e Bruckner.

Vozes de outro mundo ou outro mundo em vozes, como os filmes americanos dos anos 40 os encenaram, com a mau sublime expressão no Clifron Webb de “Laura”: “Madder music and sronger wine.»

Ou o Luiz Pacheco:

«Já não estou muito capaz de trabalhar, porque a memória, a vista, tudo isso inibe um tipo. Já não leio os jornais, não consigo. A minha ligação com o mundo é a rádio.»

Saber da morte de António Cartaxo deixa-me uma enorme tristeza.

Um homem, culto de uma simplicidade assombrosa, assim como a incrível humildade de Carlos Paredes.

Por os dias da rádio da minha vida, e por António Cartaxo, irei ouvir o Adagietto da 5ª Sinfonia de Gustav Mahler.

Porque a música é um romance sem fim.


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