Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da
Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante só conheci
o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio do amor
vigilante e sem fadiga de minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente
necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam. A terra e a
água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a
minha poesia é capaz. As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais
elemental. Guardo desse tempo o gosto por uma arquitectura extremamente clara e
despida, que os meus poemas tanto se têm empenhado em reflectir; o amor pela
brancura da cal, a que se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto
duro das cigarras; uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida às
palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico – o da comunicação das
necessidades primeiras do corpo e da alma. Dessa infância trouxe também o
desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas ê sempre uma degradação; a
plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez
porque então o mundo não estava dividido, a luz cindida, o bem e o mal
compartimentados; e ainda uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto
da cultura ocidental, sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do
desejo num coração de homem. A pureza, de que tanto se tem falado a propósito
da minha poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua
forma mais ardente e ainda não consumada.
Eugénio de Andrade
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