quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 O semanário «Expresso» começou a publicar-se no dia 6 de Janeiro de 1973.

Jorge Calado, nasceu no dia 6 de Janeiro de 1938.

«Tive sorte com o nome e com o dia. Chamo-me Jorge e nasci em Lisboa a 6 de Janeiro, Dia de Reis.»

E foi no «Expresso», como crítico de música clássica, de exposições de fotografia pintura, também de teatro e cinema, que comecei a deparar com o nome de Jorge Calado e a gostar do que, e como, escrevia.

«Seis de Janeiro era, então, festa e feriado: a Epifania, o 12º e último diua de Natal. É também o título da minha peça favorita de Shakespeare, a «Noite de Reis»

E já venho a citar «Mocidade Portuguesa», livro que Jorge Calado publicou no Verão passado, livro de memórias, se bem que o autor nos diga que não o é, tão pouco lhe chama autobiografia.

Diga-se que é um livro de memórias.

«Hoje vejo a memória como um museu cujo conteúdo é precisos estudar, preservar e divulgar.»

Gosto de autobiografias, livros de memórias, correspondência.

O livro de Jorge Calado é um livro fascinante, tão perto, tão perto de outro livro que me encantou: «Memórias» de Rómulo de Carvalho, também António Gedeão.

Tanto num como noutro livro, ficamos a saber de uma Lisboa de outras eras. Rómulo de Carvalho nasceu em 1906, Jorge Calado em 1938, Rómulo foi professor no Liceu Pedro Nunes, Calado aluno do mesmo Liceu e deixa expressa a mágoa de não ter sido aluno desse notável professor.

Acabei há dias a leitura do livro que ficou devidamente sublinhado e mercado, um livro belíssimo, lamentavelmente publicado segundo o atentado dito por Acordês.

 Naquelas páginas encontramos música, cinema, fotografia, pintura, o quotidiano da infância de Lisboa, a paixão de Jorge Calado pelo azul e por Shakespeare.

 Tenho saudades dos sabores da minha infância, quase todos oriundos do Ribatejo: os bolos-de-cabeça, a broa de milho, a morcela de arroz, a uva-maçã cor-de-rosa e carnuda, a erva-doce das broas de Todos-os-Santos, os ouregos para temperar o tomate acabado de colher.

Também eu gosto imenso das broas de Todos os Santos que o Garrudo me trazia, outros tempos, outros tempos, de Alcanena.

Jorge Calado «gostava de seguir as mãos habilidosas da minha mãe moldando as massas cruas em formas estranhas. Uns pós ou cristais (farinha, açúcar, fermento ou bicarbonato de sódio, às vezes sal) mais uns líquidos (água, leite, porventura um cálice de licor ou de vinho do Porto) e uma pasta (manteiga), vida em miniatura (ovos), e proporções variáveis, formavam o barro primordial de que eram feitos doce e salgados. Verifiquei que no girar e bater é que estava a graça, e que a A cozinha não era o estômago, mas sim o coração da casa

Retenho esta frase:

A cozinha não era o estômago, mas sim o coração da casa.

Hei-de voltar mais vezes a este livro mas, por acaso, aberto na página, copio:

 A roupa passava dos mais velhos para os mais novos. Fatos antigos e gastos do meu pai eram oferecidos aos membros mais necessitados da família, e depois adaptados ao novo corpo. Coisas velhas, avariadas ou partidas não se deitavam fora; antes eram recicladas e/ou remendadas ou passajadas. Aplicavam-se cotoveleiras às mangas de casacos e camisolas puídas pelo uso, e nós fundilhos aos calções gastos; viravam-se punhos e colarinhos às camisas coçadas do meu pai; os sapatos levavam tacões, biqueiras, meias solas ou solas inteiras novas.

E não me vou embora sem copiar esta frase, devidamente sublinhado, porque penso do mesmo modo, e retirada da página 21:

«Não me bastava ler um livro; queria possuí-lo, para voltar a ele sempre que quisesse.»

3 comentários:

Anónimo disse...

1906...???
Valente Jorge...!!!

Sammy, o paquete disse...

Jorge Calado nasceu a 6 de Janeiro de 1938. No ano de 1906 nasceu Rómulo de Carvalho. Lapsos, lentes de óculos de Loja do Chinês, que dixer mais...
Obrigado pela chamada de atenção.
Abraço.

Seve disse...

Só não acontece a quem não faz!