Estamos com o 3º volume dos Cadernos de Lanzarote, na página 147, entrada datada de 1 de Setembro de 1995.
Às voltas com o raio
das insónias que volta e meia me atormentam, acabei por rir à gargalhada sobre
o sublinhado feito, a quando da 1ª leitura do livro, a propósito de uma notícia
peruano com a intenção de privatizarem o Machu Piccu e a cidadela de Chan Chan:
«… e já agora, privatize-se também a
puta que os pariu a todos.»
« Regressados de uma viagem a Argentina e
Bolívia, os meus cunhados Maria e Javier trazem-me o jornal Clarín de 30 de
agosto. Aí vem a notícia de que vai ser apresentada ao Parlamento peruano uma
nova lei de turismo que contempla a possibilidade de entregar a exploração de
zonas arqueológicas importantes, como Machu Pichu e a cidade pré-incaica de
Chan Chan, a empresas privadas, mediante concurso internacional.
Clarín chama a isto “la loca carrera privatista de Fujimore”. O autor
da proposta de lei é um tal Ricardo Marcenaro, presidente da Comissão de
Turismo, Telecomunicações e Infra-estrutura do Congresso Peruano, que alega o
seguinte, sem precisar de tradução “En vista de que el Estado há administrado
bien nuestras zonas arqueológicas – qué passaria si las otorgamos a empresas
especializadas en esta materia que vienen operando en otros países com gran
efectividad?” A mim parece-me bem.
Privatize-se Machu Pichu, privatize-se a Capela Sixtina, privatize-se o
Partenon, privatize-se o Nunu Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres,
privatize-se o Descobrimento da Cruz do Antonio de Crestalcore, privatize-se o
Pórtico da Glória de Santiago de Compostel, privatize-se o mar e o céu,
privatize-se a água e o ar, a Justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa,
privatize-se o sonho, sobretudo se for o diurno e de olhos abertos.
E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se
os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas,
mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo… E, já
agora, privatize-se também a p. que os pariu a todos.»
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