Não consigo arrumar o livro do Álvaro Magalhães sobre o Manuel António Pina.
Anda sempre fora dos
restantes livros daquele seu lugar na estante da Biblioteca da Casa.
Manuel António Pina gostava de palavras, de poesia, de livros, de contar histórias, da família, dos amigos, de chegar atrasado, de cigarrilhas, de gatos, uns em pensão completa outros em meia pensão, de não viajar, de não ter partido, do Sporting.
Manuel António Pina Viveu intensamente o 25 de Abril porque sempre se confessou um homem fundamentalmente de esquerda mas, nunce se mostrou entusiasmado por partidos, lembrando uma frase de José Saramago «o heróico num ser humano é não pertencer a um rebanho», para, acima de tudo declarar ser um militante de coisa nenhuma.
Álvaro Magalhães, lembra, antes do 25 de Abril, a preferência do Pina em correr à frente da polícia de choque em vez de ficar numa mesa de poetas a falar de versos, manifestava tendências trotskistas, mas, depois de Abril, («Valeu a pena viver só para viver aquele dia», disse um dia, Pina, a uma plateia de jovens leitores), ainda o vemos candidato a deputado pelo MES para a Assembleia Consituinte em 1975 e pela UEDS às eleições para a primeira Assembleia da República, em 1976.
Dessas circunstâncias
dirá mais tarde:
«Fiz sempre questão de não ser militante de coisa nenhuma; como se
costuma dizer em linguagem popular, eu mijo fora do penico» (pág. 210).
Hoje, ficamos pela
política, na próxima ficamo-nos nas futeboladas.
Não é um partido, mas poderemos falar de «O Clube dos Amigos à Espera do Pina».
Considerava a amizade
como a mais alta forma de amor.
Amiúde Pina chegava
atrasado a quase tudo.
Sirvo-me da narração,
página 243, de Álvaro Magalhães:
«Ele fazia do atraso um modo de vida. Para ele a pontualidade,
considerando todo o esforço que o cumprimento dessa pontualidade implicava, era
uma perda de tempo. O amigo João Botelho contou que, já nos anos 70, havia um
grupo que estava sempre no café Piolho «à espera do Pina». E os amigos com quem
privava mais nos últimos anos de vida, esses esperaram tanto que depois da
morte dele, fundaram uma associação cultural com a única função de o recordar e
à sua obra. Foram mesmo ao notário fazer a escritura e elegeram corpos sociais.
Uma coisa a sério. E deram-lhe o único nome possível: «O Clube dos Amigos à
Espera do Pina». Continuaram a encontrar-se e a fazer o que faziam antes, ou
seja, a conviver enquanto esperavam por ele. Faziam de conta que ele não tinha morrido,
estava apenas atrasado, como sempre. Nesses encontros havia – ainda há – sempre
alguém que é apanhado a olhar para a porta, à espera de que ele apareça, com
aquele ara de culpado, a dizer. «Vocês não imaginam o que me aconteceu!»
Chegar atrasado, porém era um mal menor. Como também marcava, por vezes, mais do que um encontro para o mesmo dia e a mesma hora, e se esquecia de que os tinha marcado, faltava a muitos deles. E fazia isso a todos, fosse quem fosse. Quando lhe telefonavam a perguntar o que se passava, muito tempo depois da hora marcada, ele perguntava, muito espantado: «Era hoje?» Faltava a encontros, diligências para que era convocado, reuniões, faltava a julgamentos, quando exerceu advocacia. Faltava até às homenagens que lhe prestavam. Germano Silva conta que estava com ele no café Orfeuzinho, a conversar, quando entrou alguém e disse: «Ó Pina (toda a gente que tinha alguma intimidade o tratava assim), parece impossível! Está ali o teatro cheio de gente à tua espera…» «Era hoje?», perguntou ele, com ar de surpresa total.»
Legenda: Café Piolho no Porto.
5 comentários:
Tenho de o começar a ler, Sammy...
É daqueles "livros de consulta" assídua. Uma maravilha.
Ontem, até pensando no Pina, comprei um livro (UM HOMEM CHAMADO OTTO) em que a solidão e o nosso mundo actual parece estar presente. Deposito grandes esperanças na sua leitura.
Será o livro que deu origem a um filme, de Marc Foster, que está em exibição, com interptretação do Tom Hanks?
O filme achei-o interessante.
Um livro notável.
O Pina e o Álvaro Magalhães eram velhos e grandes amigos, o livro é um livro de amor e isso permite colocá-lo no capítulo de LIVROS ÚNICOS.
São 480 páginas lidas a galope. Depois foi o voltar «n» vezes para o grande gozo das palavras, da amizade, da poesia, do teatro, de tudo o que faz da vida algo de que vale a pena viver, apesar de tudo!
Comece-o sem demora!.
Abraço
É esse mesmo. Ainda não comecei a ler o livro mas, entretanto, ontem, fui ver o filme, com o Tom Hanks numa grande interpretação -um bom filme-!
É um filme feito por pessoas, com pessoas de carne e osso, ao contrário da maioria dos filmes que agora por aí pululam, feitos por computador com bonecos computorizadas (Avatar, por exemplo, e outras perseguições impediosas etc etc)...
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