«Comecemos então, como convém, pelo básico. Um actor é um fingidor. Métodos de aquecimento à parte, ficará para sempre gravado nos anais da arte o comentário que Sir Laurence Olivier terá dirigido a Dustin Hoffman quando ambos contracenavam no filme de 1976 do inglês John Schlesinger, O Homem da Maratona.
Hoffman
acabara de filmar uma cena em que tivera de simular não ter dormido nas
anteriores 72 horas. Olivier pergunta-lhe educadamente como correu e o
co-protagonista de O Cowboy da Meia-Noite (também realizado por Schlesinger e
no qual Hoffman interpretara Ratso, maltrapilho e vigarista aleijado que
conseguia convencer-nos de que cheirava mal, apesar do cinema não ter cheiro…)
responde-lhe que na realidade não dormira durante três dias, de modo a
transmitir verosimilhança à personagem. Do alto da sua experiência
(shakespeariana), Olivier sugere-lhe com delicadeza: “My dear boy, porque é que não tenta apenas
representar?”.
Indo
agora um pouco mais longe e parafraseando o poema antigo de Mário Cesariny — Raio de Luz — que começa com a rima: “Burgueses somos nós
todos / ou ainda menos. / Burgueses somos nós todos / desde pequenos”,
acrescentaria eu agora que actores somos nós todos e sem dúvida desde pequenos.
Fingimos
e mentimos. Voltando a Sir Laurence Olivier só para poder assinar por baixo: “O
que é representar senão mentir e o que é mentir bem senão mentir de modo
convincente?”».
Ana Cristina Leonardo no Público de 27 de Janeiro
Sem comentários:
Enviar um comentário