- E para pensar ficas sentado? Se queres ser poeta começa por pensar caminhando. Ou és como o John Wayne, que não conseguia andar a mascar chicletes ao mesmo tempo? Agora vais até à Calheta pela praia, e enquanto observas o movimento do mar, podes ir inventando metáforas.
- Dê-me um exemplo.
- Olha este poema: “Aqui na ilha, o mar, e quanto mar.
Sai de si mesmo, a cada instante. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim,
em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode estar quieto.
Chamo-me mar, repete pegando numa pedra sem conseguir convencê-la. Então com
sete línguas verdes, de sete tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares
verdes, percorre-a, beijando-a , humedece-a, e bate no peito repetindo o seu
nome” – Fez uma pausa satisfeito - O que achas?
- Estranho.
- “Estranho” Que crítico severo és tu!
- Não, Don Pablo. Estranho não é o poema. Estranho é
como me sinto quando recitou o poema.
- Querido Mário, vamos a ver se te despachas um pouco,
porque não posso passar a manhã toda a desfrutar da tua conversa.
- Como se pode explicar? Enquanto dizia o poema as
palavras iam de cá para lá…
- Como o mar, claro!
- Isso é o ritmo.
- E eu senti-me estranho, porque com tanto movimento
enjoei.
- Enjoaste?
- Claro! Eu ia como um barco balançando nas suas
palavras.
As pálpebras do poeta despegaram-se lentamente.
- “Como um barco balançando nas minhas palavras.”
- Claro!
Sabes o que fizeste Mário?
- O que foi?
- Uma metáfora.
Antonio Skármeta em O Carteiro de Pablo Neruda
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