O Itinerário de
hoje do Eduardo percorre as páginas do Cinéfilo, no tempo em que Abril estava
quase a rebentar. Trata-se do nº 26 de 30 de Março de 1974 e os pés do Eduardo
encaminharam-no para o velho Coliseu dos Recreios nas Portas de Santo Antão
para ver e ouvir Patxi Andión, um basco de quem as esquerdas em Portugal
gostavam muito, começando por mim que lhe fui colecionando primeiro os singles
e depois os LPs. Sem perceber absolutamente nada, comprei-lhe o LP Joxe
María Iparraguirre Patxi Andion’ en era.
Patxi Andion foi
revelado em Portugal em 1969, pelo programa Zip-Zip.
Das duas
primeiras vezes que tentou cantar em Portugal, a PIDE expulsou-o do
país. Acabou por actuar pela primeira vez em 24 de Novembro de 1973
Em Portugal
actuou pela primeira em 24 de Novembro de 1973 no Cinema-Teatro Monumental, a
segunda vez em 24 de Março de 1974. Em ambos, dezenas e dezenas e dezenas e
dezenas de agentes da PIDE foram ouvindo o que ele tocava e dizia.
«A minha relação com Portugal, a música e a língua portuguesa é de absoluto amor, é uma paixão que existe desde a década de 1960», disse em entrevista à Lusa, já Abril por aí andava.
Ele que sempre disse que uma canção se constrói com palavras e música, mas o
que verdadeiramente tem uma função, são as palavras, que entende que os poemas
não são herméticos, pois a canção primeiro sente-se e depois entende-se, claro
que uns entendem melhor do que outros mas em definitivo todos sentem, ele que
se diz um tipo que trabalha arduamente naquilo que sabe e pode fazer, e lembra
sempre o avô que lhe costumava dizer que falar é demasiado importante para o
fazermos continuamente porque quem fala muito, necessariamente, terá de dizer
muitas asneiras.
Chegou a dizer: «Já não me tratam em Espanha tão mal como antes. Passei toda a fome que podia passar, fizeram-me todo o mal que podiam fazer. Mas eu não desisti. Segui lutando, fazendo o mesmo. E no fim, as pessoas viram; aquele tipo não faz aquilo por modo, mas porque quer, porque sente.»
Para o Cinéfilo, o Eduardo reportou sobre o espectáculo e escolhemos estas palavras:
«Quatro mil estavam no Coliseu. Silêncio, luzes e palmas. Toda a força
possível: verde que te quiero verde. Estavam todos lá. Com ele. Assim, tudo
poderia estar definitivamente em tudo. Todos estarmos em tudo e todos sermos
afinal tudo, maneira de dizer: todos com todos. O que sentimos ao sentirmos
tudo. Sentimento total.
A palavra exacta, minuto a minuto. Não perder o sentido, a exacta procura de
todos, de tudo. A calma violência da total aventura: ondas e não uniforme
paisagem. Patxi junto ao mar, a pequena aldeia, a mesa de madeira, o copo de
vinho tinto, o sol, a tarde, o domingo a escorrer, como azeite, sobre os
homens, as coisas, as palavras. Palavras claras de Patxi que podem corresponder
a um copo que se oferece, a uma fatia de pão que se recebe.
Espectáculo? Total Participação? Comoção. Plenitude, talvez. O pão a crescer na
terra, o corpo a corpo da poesia e da canção. Um homem simples frente a 4 mil
portugueses.»
Em 18 de Dezembro de 2019, em Cubo de la Solana, sua terra natal, um estúpido acidente de automóvel, expulsou-o da vida.
Ficaram a música, as palavras.
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