quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

EXÍLIO

Este é o meu lugar de exílio. Aqui, me depositaram a meu pedido e por minha livre vontade, vinda da casa dos meus pais, e onde não mais voltarei, também por minha livre determinação. A vida é um arco, tem o seu começo e o seu fim, inicia-se num berço, faz o seu voo ascendente, e a partir de certa altura a curva desce até nos entregarmos à terra, de novo dentro de uma caixa de madeira que em nada difere de um berço.

 É nesta descida que me encontro, nada tenho que me queixar. Recuso o lamento, repudio a contemplação da doença e condeno o prolongamento da vida para além dos seus limites. O que não quer dizer que não sofra. Há muito que cheguei à conclusão de que faz parte da descida do arco da vida lidar com o sofrimento. Há anos que mal caminho dando passos oscilantes, ou mesmo não caminhando de todo, como acontece maior parte dos dias e das noites, desde que aqui cheguei, paralisada, e a sensação que tenho, como acabei de dizer, é de exílio. Mas, ainda assim, recorro à memória para sair destes muros e triunfar sobre o meu estado de reclusa.

Lídia Jorge em Misericórdia

Colaboração de Aida Santos