Ao pôr do sol todas as cidades são maravilhosas, mas algumas são-no mais do que
outras. Os relevos fazem-se mais brandos, as colunas mais redondas, os capitéis
mais encaracolados, as cornijas mais resolutas, as flechas das torres mais
nítidas, os nichos mais fundos, os discípulos mais bem togados, mais aéreos os
anjos. Escurece nas ruas, mas continua a ser dia na Fondamenta e nesse
gigantesco espelho líquido onde os barcos a motor, os vaporetti, as
gôndolas, os batéis e as barcaças «como sapatos velhos em desordem» pisam
diligentemente fachadas góticas e barrocas, não poupando também o nosso reflexo
nem o da nuvem que passa. «Pinta», segreda-nos a luz de Inverno, detida no seu
curso pela parede de tijolo de um hospital ou chegando ao destino, o paraíso
do frontone de San Zaccaria, depois da sua longa travessia através do
cosmos. E sentimos a fadiga dessa luz, que fica ainda a repousar, durante pouco
mais de uma hora, nas conchas de mármore de San Zaccaria, enquanto a Terra
oferece a sua outra face à luminária. Esta é a luz de Inverno no auge da sua
pureza. Não traz consigo calor nem energia, tendo-os deixado pelo caminho
algures no universo, ou nos cúmulos mais próximos.
Joseph Brodsky
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