sábado, 1 de agosto de 2015

OLHAR AS CAPAS


Insânia

Hélia Correia
Capa: Fernando Mateus
Relógio D’Água Editores, Lisboa, 1996

A verdade é que Talívio sonhara sempre com aquele regresso. Ao contrários dos outros emigrantes, não se antevia a desfiar riquezas até porque, pensava, de um dia para o outro toda a gente aparecera servida de automóvel, e de vivenda, e de cartão de crédito. Queria-se a discursar para os Levadeiros, a conduzi-los por aqueles caminhos da emoção política que em França ele conhecera apenas em surdina, manietado pela sua condição. Todos lhe apreciavam o talento de estratego nas lutas sindicais, tanto mais que obviamente ele não podia usá-lo em benefício da vaidade. No seu próprio país, sim, brilharia, mesmo falhando, como lhe falhavam, princípios de bom sangue na família. «Numa democracia como a vossa, qualquer labrego vai a chefe de governo», diziam-lhe os  colegas ao ouvido, entendendo com isto dar-lhe estímulo.

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