terça-feira, 1 de outubro de 2019

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


A Câmara Municipal de Lisboa aprovou, com a abstenção do PSD, os votos contra do PCP, do BE, do CDS, no dia 12 de Setembro, o projecto de construção de um hotel no edifício onde funcionava o antigo Cinema Imperial na Rua Francisco Sanches, perto da Praça do Chile.

Antes de ser Imperial, o cinema chamava-se Pathé-Cinema, data de 1926 e em 1931 sofreu importantes obras, viu os seus equipamentos serem modernizados e mudou de nome, o mesmo com que encerrou portas nos anos 80. Nos anos 90 ainda funcionou como discoteca, mas o projecto não teve pernas para danças, fossem elas quais fossem.

Nasci e cresci numa parte da cidade rodeada de cinemas mas na sua totalidade já não funcionam como tal.


Passo a enumerar:

O Cine-Oriente foi demolido, o Royal, dá gaurida ao Supernetcado Pingo Doce,  o Lys,, virou edifício de escritórios e lojas do Calçado Guimarães, o Rex também virou lojas que vendem tudo e mais alguma coisa,, o Max, é hoje a Igreja de São João Evangelista, o Imperial está entijolado desde os anos 90, o Império deu lugar  a uma seita dita religiosa e, não se sabe por quanto tempo, ainda mantém o café com o mesmo nome.

Bernardo Bertolucci disse que só se aprende a ver cinema vendo cinema.

Foi isso que eu fiz gozando do privilégio de ter crescido rodeado de cinemas por todos os lados.

Talvez por isso um dia disse que o cinema foi o seu primeiro amor, mas o tal rapaz que escreve como os jogadores de futebol, lembrou: «Então e o Benfica?».

Tive que rectificar: o cinema foi o meu segundo amor.


E por cinemas e clichés de bairro, fica sempre bem lembrar Molero,  pela pena entusiasmante de Dinis Machado:

 «O poema diz: Há pombos esquecidos nas estátuas desta cidade naufragada. Mastros de sombra escrevem o teu nome e em cada letra reconheço a madrugada. Mulheres e homens, enlaçados de cansaço, dormem um sono fundo, com raízes. Das margens desse sono se levantam as pedras das palavras que não dizes. Foge o mar dos meus dedos entre a noite, e a noite é uma canção que te procura. Nos meus olhos ardem estrelas encharcadas que rodeiam de azul a tua altura. Cada esquina é um cais à tua espera. Faróis e candeeiros chamam por ti. Como um sonho deslizo e permaneço na rua da janela onde te vi. Finalmente os pombos largados, partindo desta estátua que tu és». Houve outra pausa. «Este poema», disse Austin, «intitula-se The High Window, germinou muito tempo dentro dele e foi escrito anos depois, quando começou a ler e a amar os livros de outro escritor, Raymond Chandler, homem triste cheio de humor, que criou uma espécie de herói de aluguer, labiríntico e algo macerado, a quem os outros serviam logo ao pequeno-almoço, e sem direito a notícia nos jornais, pontapés na boca do estômago misturados com traição».


Fontes: Os Cinemas de Lisboa de Margarida Acciaiuoli

Legenda: a terceira fotografia é tirada do blogue Restos de Colecção

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