O Mundos dos Outros
José Gomes
Ferreira
Capa: António
Domingues
Colecção Os
Livros das Três Abelhas nº 40
Publicações
Europa-América, Lisboa, Junho de 1961
Cada qual agarra em mim a aparência que mais lhe
convém. Há patetas que me julgam engraçadíssimo e outros que choram tédio mal
envesgam a minha cara longa de gato pingado. Horrorizo meia dúzia de pessoas
com a minha má-criação ao mesmo tempo que fascino outra dúzia com a amenidade
de açúcar do meu temperamento. E depois de empolgar três ou quatro tolos com
alguns discursos inteligentes, não me importo de exibir um solo de estupidez
diante dum auditório de cretinos espertos. Nem me indigno quando aquele
barrigudo me pergunta se persisto em ir todas as noites ao Estoril jogar
roleta. Em compensação, outro, mais magro, imagina que deposito dinheiro nos
bancos. E outro, ainda mais magricelas, prega-me sermões para me tirar da
cabeça a ideia do suicídio.
Isto sem me referir aos que não desistem de louvar, na minha pessoa, o músico falhado, o ex-poeta do «Longe», o ex-advogado sem clientes, o tradutor de fitas, o ex-cônsul, o jogador de barra, o homem que mete o dedo no nariz ou o neurasténico dos nervos enrodilhados.
A única divergência entre mim e a nuvem é que o pobre farrapo de vapor de água desliza pelo céu desprendido e alheio à opinião dos olhos dos homens...Mas eu não. Eu colaboro.
Consciente ou inconscientemente, adapto-me às opiniões provisórias dos outros. Entro nas mil comédias do ramerrão diário, sem me enganar nos papéis ou confundir personalidades.
Graças ao meu profundo talento de Proteu, nunca os palermas que me julgam tímido, assistiram a um rasgo de revolta da minha parte. Nem os que me consideram abaixo da craveira normal puderam arrepender-se do seu juízo a respeito da minha imbecilidade.
Sou sempre o que eles querem: bom, mau, epiléptico, rude, cínico, amargo, bêbado, terno, violento, filosofo, íntegro, puritano, devasso, pianista, sonâmbulo, tudo...
Isto sem me referir aos que não desistem de louvar, na minha pessoa, o músico falhado, o ex-poeta do «Longe», o ex-advogado sem clientes, o tradutor de fitas, o ex-cônsul, o jogador de barra, o homem que mete o dedo no nariz ou o neurasténico dos nervos enrodilhados.
A única divergência entre mim e a nuvem é que o pobre farrapo de vapor de água desliza pelo céu desprendido e alheio à opinião dos olhos dos homens...Mas eu não. Eu colaboro.
Consciente ou inconscientemente, adapto-me às opiniões provisórias dos outros. Entro nas mil comédias do ramerrão diário, sem me enganar nos papéis ou confundir personalidades.
Graças ao meu profundo talento de Proteu, nunca os palermas que me julgam tímido, assistiram a um rasgo de revolta da minha parte. Nem os que me consideram abaixo da craveira normal puderam arrepender-se do seu juízo a respeito da minha imbecilidade.
Sou sempre o que eles querem: bom, mau, epiléptico, rude, cínico, amargo, bêbado, terno, violento, filosofo, íntegro, puritano, devasso, pianista, sonâmbulo, tudo...
Só nunca fui uma coisa: eu próprio.
Mas esse é um dos muitos segredos que hei-de levar
para a sepultura.
2 comentários:
Bom dia. Acredito que seja um livro muito saudável de ler.
.
^^^ Exausta Saudade ^^^
.
Tenha um Sábado feliz
Tenho um livro autografado do José Gomes Ferreira. Era um homem muito engraçado muitíssimo distraído, com um grande sentido de humor; era muito, muito parecido com o Manuel da Fonseca.
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