sábado, 19 de outubro de 2019

RUI JORDÃO (1952-2019)


Soube da morte de Rui Jordão, quando, pela manhã, visitei o Largo da Memória do Luís Enes.

Logo me ocorreu um muito longínquo Benfica Feyenoord e deixei comentário:

«Dos mais elegantes intérpretes de futebol que vi jogar.
22 de Março de 1972: 2ª mão da Taça dos Campeões Europeus, jogo com o Feyenoord no velho Estádio da Luz. Na primeira mão o Benfica perdera, em Roterdão, por 1-0. Aos 5 minutos de jogo já Nené empatara a eliminatória. Depois foi um festival do mesmo Nené e do companheiro Jordão. Resultado final: 5-1.
Não mais esquecerei esta noite, não mais esquecerei o bailado coreografado que Jordão, depois de  meter o quarto golo, fez, na baliza norte, ao longo da linha final em direcção à bandeirola de canto. Deslumbrante.
Foi uma pena ter ido para o Sporting, dizem que era o seu clube de coração, mas foi um homem que dignificou todas as camisolas que envergou e a todas deu o seu melhor.
Já não há jogadores assim!...
Talvez um rapaz que joga no Liverpool, de seu nome Sadio Mané, aufere por semana cerca de 170 mil euros, se assemelhe.
Esta semana disse não esquecer os tempos de pobreza durante a infância.
«Para que quero dez Ferraris, 20 relógios com diamantes e dois aviões? O que faria isso pelo mundo? Eu passei fome, trabalhei no campo, joguei descalço e não fui à escola. Hoje posso ajudar as pessoas. Prefiro construir escolas e dar comida ou roupa às pessoas pobres.»
Com gente desta, podemos dizer que o futebol  pode ser mesmo o maior espectáculo do mundo.»

Quando pendurou as botas, jogava então no Vitória de Setúbal, não mais quis saber do futebol. Dedicou-se a uma paixão que sempre o acompanho: a pintura.

Rui Jordão era um homem simples.

Na entrevista que o excelente Fernando Assis Pacheco, lhe fez em Janeiro de 1988, e que intitulou «Sem Sombra de vedeta», perguntou-lhe qual era a sua refeição favorita. E este respondeu-lhe que era bife.

Assis que era um eterno gozador e praticante ávido  da boa comida, da boa bebida, comentou:.

Coisa mais monótona!

Jordão acrescentou:

Eu não tenho o prazer da mesa, seria incapaz de sair de casa para ir a tal ou tal sítio comer determinada coisa. De maneira que o que lhe estou a dizer é uma habituação: bife, arroz, às vezes peixe grelhado, pouca batata. No meu caso foram dezasseis anos desta dieta. De vez em quando lá experimentamos uma feijoada, ou um cozido à portuguesa, um bacalhau, mas nada disso entra no dia a dia.

Outra vez o Assis:

A culinária angolana seria impensável para a sua vida de jogador?

Impensável.

Recorda algum prato angolano preferido?

 Muamba. A que se come aqui em Portugal não é genuína, está falsificada.

Na abertura  da entrevista pode ler-se:

«Aí está ele outra vez, o goleador emérito, Tem 35 anos e escolheu Setúbal para voltar aos relvados, depois de um afastamento penosos em que se disse que acabar para o futebol. Rui Jordão, angolano de Benguela, quer manter-se honesto até ao fim da carreira sem cair no vedetismo.»

Assim foi.

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