O que importa é que as palavras em contexto ficcional,
nunca são neutras. São ultravibráteis. Ao menor movimento, ressoam. São
caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa, a cada relance de luz. Não é
indiferente lê-las numa página amarelada, numa página de brancura rasa, ao alto
da folha, em baixo. A própria grafia implica uma ligeira alteração de tom.
As palavras são volúveis. Vêm de contrabando, estabelecem-se,
envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, outras vezes ficam adormecidas e são
despertadas pelo beijo mágico de algum príncipe das letras, que pode ser um
humilde jornalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância.
Reverberam, espalham reflexos para todo o lado. São rebeldes, desapertam as
cordas, esgueiram-se das clausuras. São leves e aéreas. São pesadas como
tanques. Abismam-se, ampliam-se, encolhem-se. Redimensionam-se. São como o deus
grego Proteu, sempre a mudar de forma e mesmo de género ("mha
senhor", dizia-se antes de "senhora" assumir o feminino).»
Mário de Carvalho em Quem Disser o Contrário é Porque Tem Razão
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