terça-feira, 1 de outubro de 2019

OLHARES


Naquele tempo, as aulas nos liceus começavam no dia 1 de Outubro.

Feita a 4ª classe, feito o exame de admissão ao liceu, apresentei-me, nesse ano de 1956, com os restantes alunos, no ginásio do Liceu Gil Vicente.

As palavras do reitor que acumulava com o posto de comissário da mocidade portuguesa.

Às quartas-feiras e aos sábados havia, obrigatoriamente, Mocidade Portuguesa.

Exigiram que comprasse a farda. da dita mocidade.

O meu pai foi falar com o reitor e disse que, se o liceu não fornecia a farda, por falta de dinheiro, não a poderia comprar.

O problema era realmente o dinheiro mas, essencialmente a costela anti-salazarista da família.

Mesmo sem farda, mandaram-me comparecer à instrução.

Sem farda andei por lá cerca de um mês e acabaram por me dispensar.

Em Novembro de 1956, a União Soviética invadiu a Hungria.


Os professores lançaram o apelo para que fossem levados géneros alimentícios para auxiliar o povo húngaro.

Embrulhados em papel pardo, levei arroz, açúcar, esparguete.

Alguns, e bons, anos depois, perguntei ao meu pai das razões de eu ter levado aqueles géneros alimentícios.

O meu pai explicou que tinha sido para minha protecção. 

A história da farda da mocidade portuguesa não tinha sido esquecida e se não correspondesse ao pedido, aqueles rapazes eram gente capaz de algumas habilidades.

Acabei por chumbar no 1º ano do liceu, 

Não por motivos políticos, mas pela razão simples de que não estudei a ponta de um corno. 

Apenas a Português e Ciências Naturais consegui notas positivas. O resto, foi abaixo de cão.

Nunca hei-de esquecer a gritaria de um dos professores:

«Quem estuda não guarda cabras. Há ruas para calcetar, campos para cultivar!»

Legenda: fachada actual do Liceu Gil Vicente, cartaz do Partido Comunista Português contra o envio de alimentos para a Hungria.

Sem comentários: