quinta-feira, 23 de julho de 2020

CONVERSANDO


De muito novo comecei a ler Alves Redol e sempre gostei do que li. 

Como hábito antigo, para além de ler as obras dos autores de que gosto, sempre me habituei a ler o que sobre esses autores está escrito.

No caso de Redol, li o que Alexandre Pinheiro escreveu em Os Romances de Alves Redol, e no caso de A Barca dos Sete Lemes, que é o livro de hoje, recordo:

«A Barca dos Sete Lemes é um belo título para um livro, mas aquele que mais estaria de acordo com o seu conteúdo seria então: «A Arte de Transformar Um Homem do Povo num Carrasco.»

Do que li, há a conclusão de que Alves Redol era um homem de carácter, um homem ávido de gente.

Ou como escreveu José Gomes Ferreira::

«Senhores e senhoras: o segredo da Arte de Redol resume-se nesta frase: amou verdadeiramente o povo.»

Carlos de Oliveira deixou escrito em O Aprendiz de Feiticeiro:

«Quem fala do povo com a paixão obsidiante de redol, a sua teimosia, os seus momentos de grandeza, incomoda e vive na incomodidade. Isto explica, julgo eu, certos preconceitos políticos e literários, certo musgo que a humidade circunstancial (às vezes sem querer, mas outras de propósito) tentou gerar em torno de uma obra notável sob vários aspectos: autenticidade, fôlego, importância histórico-literária.

José Cardoso Pires estava em Londres quando Redol morreu:

«Esta manhã chegou-me o telegrama da Edite. Morreu o Redol. Fiquei diante da janela do quarto, a olhar, ou a não olhar, sei lá, o pátio coberto de neve - e tudo branco, tudo puro, o nada, e a notícia ali na minha mão a dizer-me que tínhamos' perdido o nosso velho António, o nosso querido e paciente amigo.
Não adianta, bem sei, desabafar-se assim. Mas na morte de qualquer escritor português digno há sempre um remorso do tempo, sempre. Há um outro cancro que vem detrás e que é a injustiça e o suportar em silêncio. E esse mal, quando não vence uma verdade interior, mata primeiro do que o vírus decretado pelas certidões de óbito.
As vezes que falámos nisto, eu e o Redol. Ainda há pouco, numa carta em que se despedia de mim para sempre, lá vinha esta verificação magoada e terrivelmente simples: «Sou um dos que vai morrer na incomunicabilidade com o seu tempo».

Grande parte da sua obra, redol escreveu-a durante as horas dos seus frugais almoços ou durante as viagens de comboio entre Vila Franca de Xira e Lisboa.

Mário Dionísio chamou-lhe um operário das letras e José Carlos Ary dos Santos deixou este magnífico retrato:

Porém    se por alguém não foi ninguém
cantou e disse flor canção amigo
a si o deve.    A si e mais a quem
floriu cresceu    cantou lutou consigo.

Homem que vive só    não vive bem
morto que morre só é negativo
morrer é separar-se de ninguém
e contudo    com todos    ficar vivo.

Nado-vivo da morte.    É isso.    É isso.
Uma espécie de forno de bigorna
de corpo imorredoiro que transforma
em fusão o metal do compromisso:
Forjar o conteúdo pela forma:
marrar até morrer.    E dar por isso.

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