A
Barca dos Sete Lemes
Alves
Redol
Prefácio:
Alexandre Pinheiro Torres
Publicações
Europa-América, Lisboa, Junho de 1977
A
primeira vez que o ouvi deu-me vontade de gritar que o levassem. «Por que razão
o tinham posto naquela cadeia?» Perguntara-lhe o motivo da sua prisão e ele não
hesitara um instante, como se contasse uma façanha que o fizesse célebre.
Repugnou-me
a sua amizade e quis evitá-lo
Mas
quando eu estava encostado à rede, que fica entre nós e a grade, seguindo as
evoluções dos pombos da igreja, que vinham de lá para a cadeia, como se
tomassem banho na luz macia da tarde, ouvi a sua voz trémula e apagada por trás
de mim: «O senhor também gosta de pombos?...»
Não
entendi a pergunta naquela boca e não pude responder-lhe.
«Também
eu gosto… É o bicho mais bonito que há na Terra… O senhor já comeu carne de
pombo?... Eu nunca fui capaz. Acho que devia ser proibido matá-los… Quando me
casara hei-de fazer um pombal.»
Sentia-me
incapaz de lhe falar.
«Foi
no asilo que isso sucedeu. Depois do que o senhor escreveu, estive num asilo.
Eu gostava muito de um pombo que a D. Branca tinha numa gaiola, à entrada do
recreio. Um dia tirei o pombo lá de dentro e pus-me a fazer-lhe festas. O bicho
arrulhava nas minhas mãos, quando ouvi os passos dela no corredor. O senhor
talvez nãi saiba, mas aquela mulher fazia-me medo. Meti-me a correr dentro da
retrete e, para que ela não desse por nada, torci o pescoço ao pombo. Ainda
hoje as mãos me doem… Ela nunca soube, mas eu tive o castigo. Toda a minha vida
ando a sofrer o castigo dessa morte.»
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