Luiz Pacheco era capaz das loucuras mais desapiedadas,
mas também de actos de grande generosidade. Pessoa cheia de contrastes e
incoerências, tinha uma enorme facilidade para relacionar-se com os outros e,
depois, para cortar relações. Impulsivo e inconstante, aparecia e desaparecia
de repente. Capaz de prescindir de tudo e de começar do zero, durante anos
viveu em pensões manhosas, de onde muitas vezes era expulso por falta de
pagamento. Era um especialista em dívidas e em não as pagar, especialmente às
tipografias. Mas também aos amigos, às mercearias e às empresas de gás ou
electricidade.
Chegou a não ter de dormir à noite, viu-se obrigado a
vaguear pelas ruas e a pernoitar em vãos de escada ou em cabines telefónicas. Conheceu
a miséria, o vício e a degradação. Bebeu, viu-se metido no mundo do alcoolismo
e delapidou tenazmente a sua vida entre hospitais, clínicas e sanatórios.
Manteve-se muitas vezes, como Bocage, «de sucinto almoço, ceia casual, jantar
incerto». Passou fome, pediu esmola, humilhou-se, mas soube tirar proveito do
seu infortúnio. Movia-se com naturalidade entre os inadaptados e gostava de
estar perto dos marginais e das ovelhas ranhosas, porque lhe enriqueciam a
existência, porque com aqueles que não têm nada a perder conhecem-se melhor os
labirintos da alma humana.
João Pedro George
da introdução a Puta que os Pariu
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