Há
uma frase de José Rodrigues Migueis que José Gomes Ferreira citou em A Memória
das Palavras:
«Os
sonhos da juventude, realizam-se sempre. Se não aos trinta, aos quarenta anos…
ou aos cinquenta… ou aos sessenta… mas realizam-se sempre… A questão está em
querê-lo bem do fundo da teima dos ossos!»
Exilado
nos Estados Unidos, José Rodrigues Miguéis, mesmo longe, assistiu à queda da
ditadura, viu a cor da liberdade, como poetizou Jorge de Sena.
Morreu
em Nova Iorque no dia 27 de Outubro de 1980.
Tinha
78 anos.
«Muitas
vezes me perguntaram, porque é que não regresso? Talvez porque nunca cheguei a
partir.»
Por
vontade expressa as suas cinzas vieram para Portugal onde chegaram em Maio de
1981 e tal como escreveu em A Escola do Paraíso:
«Não se pode ter nascido ali, viver a
ver chegar e partir navios todos os dias, com um rasto de lágrimas e o esvoaçar
de adeuses no azul, nem ouvir noite e dia estas vozes, sem ficar impregnado de
irremediável nostalgia. Tudo isto, o rio imenso, os cais, o mar, os horizontes,
se integra nele e ficará para sempre dentro dele como um apelo de longe e uma
saudade, anseio de partir e de voltar: quando? e para onde?»
Digo-o
com mágoa, muita mesmo: José Rodrigues Miguéis está praticamente esquecido.
E
é uma pena que não seja lido.
Segundo
uma nota final que escreveu, Miguéis diz-nos que começou a escrita de O Milagre Segundo Salomé, sentado numa mesa d’A Brasileira do Chiado «Junto à porta, e
sozinho como quase sempre, eu tenha tomado num papelinho de acaso a primeira
nota para uma cena que viria a ser germe e fulcro do romance: «Onde a lava
transborda,»
Deu-o,
provisoriamente, por terminado pelos anos cinquenta e recopiou-o, em forma fina,l
entre 1966 e 67. Deu-o a ler a Mário Castro, a quem o livro é dedicado, a
Rogério Fernandes, José Saramago, Maria da Graça Amado da Cunha, Prof. Oliveira
Marques, outros de que não recorda o nome e todos tiveram, além de reparos,
palavras de encorajamento.
«Houve
até quem me incitasse a publicá-lo em pleno caetanismo - -«É agora a altura!» -
num surto de crença nas boas intenções de que está cehio o nosso pequeno
inferno. Quanto a mim, era mais um Romance-para-a-Gaveta, como outros, menos
felizes, que esperam drástica revisão.»
Ainda
da nota final, que tenho vindo a citar:
«OMilagre Segundo Salomé não é um romance histórico: não pretende reconstituir
factos ou acontecimentos nem evocar pessoas cuja realidade ou verdade será
apenas a que uns e outras assumirem aos olhos do leitor; e os que se inspiram
da realidade aparecem aqui transpostos, anacronizados, telescopados ou
conjugados seguindo as conveniências da narrativa. Qualquer semelhança entre
este «milagre» e algum milagre do mundo não ficcional, deve-se apenas a uma
assimilação lógica ou formal, e não ao desejo de fazer proselitismo ou de
rebater o segundo.»
Miguéis
considerava-o o seu melhor livro, mas a publicação em 1975, durante o PREC, prejudicou
fortemente a atenção que crítica e leitores lhe poderiam conceder, o que deixou
Migueis profundamente desgostoso.
Mas
é um livro extraordinário que retrata a sociedade lisboeta nos primeiros anos
do século XX, a decadência dos ideais da Repúblca que originarão o 28 de Maio
de 1926 e tudo o que se lhe seguiu.
José
Rodrigues Migueis recusou sempre qualquer espírito de nacionalismo, mas tinha
um enorme sentimento pelo País onde nasceu, e exigiu ser sepultado em Lisboa.
No
topo do texto, o monumento que encima o local onde estão depositadas as suas
cinzas.
Reproduz-se
a noticia que o Diário de Lisboa, aquando da chegada dos restos mortais,
publicou no dia 4 de Maio de 1981.
2 comentários:
O MILAGRE SEGUNDO SALOMÉ - um grande livro de um grande escritor!
Um enorme escritor, lamentavelmente caído no esquecimento. «O Milagre Segundo Salomé» juntamente com «A Escola do Paraíso» é do melhor que a nossa literatura possui.
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