Mr. Vertigo
Paul Auster
Tradução: José
Lima
Capa: Fernando
Felgueiras
Colecção Grandes
Narrativas nº 28
Editorial
Presença, Lisboa, Março de 1997
Estou a falar do cancro na barriga. Escusamos de nos
estarmos a enganar mais tempo. Tenho as tripas todas desfeitas e arruinadas e
não tenho mais de seis meses de vida. Mesmo que conseguisse sair daqui, de
qualquer modo estou tramado. Por isso porque não havemos de ser nós a pegar no
caso? Seis meses de dores e de agonia. É ioq eu se pode esperar. Esperava
lançar-te em qualquer coisa de novo antes de esticar o pernil, mas as coisas
não calharam assim. É pena. É pena por uma data de coisas, mas agora fazias-me
um grande favor se puxasses o gatilho, Walt. Conto contigo e sei que não me
dizes que não.
- Acabou. Pare com essa conversa, mestre. Não sabe o
que está a dizer.
- A morte não é assim tão horrível, Walt. Quando um
homem chega ao fim do caminho, é a única coisa que realmente deseja.
- Isso não faço. Nunca na vida. Pode estar para aí a
pedir-me até ao fim do mundo, que não hei-de levantar um dedo contra si.
- Se tu não o fazes, tenho que ser eu a fazê-lo. Assim
vai ser muito mais difícil e sempre esperei que me poupasses a isso.
- Oh, meu Deus, mestre, largue essa pistola.
- Lamento, Walt. Se não queres ver isto, então
despede-te agora de mim.
- Não despeço nada. Não me há-de ouvir nem mais uma
palavra enquanto não largar essa pistola.
Mas ele já não me ouvia. Sempre com os olhos postos em
mim, encostou a pistola à cabeça e levantou o cão. Era como um desafio a
detê-lo, um desafio a estender o braço e a tirar-lhe a rama das mãos, mas
sentia-me incapaz de qualquer movimento. Fiquei ali, sentado, a olhá-lo, sem
esboçar um gesto.
A mão tremia-lhe e tinha a testa coberta de suor,
mas os olhos continuavam calmos e claros. «Lembra-te dos bons tempos – disse ele.
– Lembra-te do que te ensinei.» E depois, engoliu a saliva, fechou os olhos e
puxou o gatilho.
2 comentários:
Paul Auster-grande escritor que, de repente, parece ter esgotado a sua inspiração.
Em minha opinião, trata-se de um dos melhores livros de Paul Auster.
Enviar um comentário