Talvez tenha inventado que necessitava de um tipo de
livros que me aliviassem as notícias sobre os dias de guerra que vai ocorrendo no
leste da Europa, e que ninguém consegue ver como e quando terá um fim.
Escolhi o Para
Quê Tudo Isto, biografia de Álvaro Magalhães sobre o Manuel António Pina,
os Sublinhados Saramaguianos, os Itinerários do Eduardo, o Sr. Woody
Allen também anda por aí com a sua Biografia, mas não é bem a mesma coisa.
O relacionamento, a intimidade que o Manuel António
Pina tem com as palavras é um espectáculo admirável.
A páginas 30 podemos ler:
«Quando era jovem gostava da palavra “todavia”. Parecia-me haver nela
algo alado, simultaneamente som e sentido, que dava alturas poéticas à prosa
mais banal e rasteira.» Sim, o seu afecto pela palavra «todavia» ou pela
palavra «fidelidade», que, um dia, encontrou intacta num livro de Jorge de
Sena, seria para sempre, tal como o afecto pelos advérbios de modo (gostava de
advérbios em geral). E até os adjectivos acabariam por o cativar. «Há sempre
palavras de que gostamos mais. Recentemente comecei a descobrir o mistério dos
adjectivos, de que sempre desconfiei. Pareciam-me dispensáveis, mas comecei a
descobrir que podem perturbar os sentidos dos substantivos e causar surpresas.
As palavras, todas as palavras, adoravam-no – e voavam, deslumbradas,
para ele. Embora houvesse uma ou outra que se fizesse mais esquiva, até essas
acabavam por aparecer, um dia, pedindo licença para entrar num poema. Como
aconteceu com a palavra «pétala», em 1981: «Coração, sombra de uma sombra,/ na
pétala mais funda da noite.» Disse ele: «Fiquei assutado. Percebi que era um
risco enorme, que nunca tinha ido mais longe. Nunca antes poderia ter escrito a
palavra “pétala”, pelo menos a sério.» Também fez uma festa, para usar uma
expressão dele, quando conseguiu meter num poema a palavra «iogurte», que
estava demasiado conotada com a linguagem corrente, com o comércio quotidiano
das palavras. E anunciou o feito aos amigos mais próximos, com uma euforia
contida.»
3 comentários:
Acabei de ler este magnífico livro de um homem que se todos fossem como ele viveríamos num mundo melhor.
pág.348 - A delicadeza e a cordialidade em relação aos outros são, para mim, valores importantes. É ser capaz de aceitar os outros. Apertar a mão é uma metáfora de coisas mais vastas: de simpatia, de afecto. Se me estendem a mão, estendo sempre a minha mão. Não gosto de humilhar ninguém. Já tenho dito que apertei a mão a muitos canalhas e continuarei a apertar. Aqui diferia de Borges, que dizia: compreendo o beijo ao leproso, mas não aceito o aperto de mão ao canalha.
Uma daquelas personagens que não se podem qualificar. Ou pode-se qualificar assim: uma pessoa boa e culta. E estará tudo dito? Apenas acrescentar o que Pina deixou escrito: que a amizade é a mais alta forma de amor.
Agora consigo, caro Seve, nasce o problema de não se sentir inclinado para a Poesia e a Poesia de Pina é de alto gabarito.
Foi por causa de um poema que li num jornal ou revista que cheguei a Manuel António Pina. O poema chama-se «Esplanada» e amanhã, ou depois, irei, por aqui, falar dele.
Qualquer dia talvez "experimente" a poesia do Pina.
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