«Mistura o que quiseres, se fores ao parque ou à rua que desce, no Príncipe Real. Põe lado a lado literatura da boa —porque alguém disse que o que é bom é azul — e política medíocre. Equilibra as marcas para não haver sobre-representação. Mistura títulos com exemplares, chancelas com selos de correio, leitores com clientes, facturação com escoamento de stock. Usa ingredientes biológicos, recicla ideias. Mistura-te com pessoas que gostam de coisas que suportas com dificuldade. Não deixes de falar com desconhecidos. Não espreites perfis. Mistura o que quiseres, podes ser duas pessoas ou mais: vender e ser vendido, escrever biografias e cortá-las até terem duas linhas — uma delas pode ser tua, os outros relatos também são falsos. Ouve e copia sotaques alheios, como se a tua família fosse outra. Mistura o que quiseres, não expliques, não te queixes, cita sem saber quem citas. Escreve sempre que precisares. Usa o imperativo na segunda pessoa quando pensas numa multidão de desconhecidos que não está lá. Diz outra vez que preferes esse tempo e modo ao que era anterior. Trata o teu colega como gostarias que ele te tratasse a ti. Mistura casa com trabalho, caso com trabalho, costura com candura. Mistura o que cozinhas e o que temes. Vende os teus medos: faz com que não te pertençam, não vendas o que é teu. Acredita no que quiseres, esquece-te de que a tua intuição está provavelmente sempre certa. Diz que tudo é exercício: que sabes, sem anúncio, que o teu lugar já é de outra pessoa. Diz que tudo era cansaço e deseja felicidades a quem vier.»
Margarida Ferra em Sorte de Principiante
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