terça-feira, 20 de dezembro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 Joaquim Vieira – histórias antigas - não gosta de José Saramago, mas acenaram-lhe (Novembro de 2018) para escrever um livro sobre o autor e não hesitou.

Chama-se o livro «José Saramago: Rota de Vida».

No livro existem largas páginas dedicadas ao facto de José Saramago gostar de mulheres. Há mesmo um capítulo, o 6º, com as suas 30 páginas, que Vieira não resistiu à tentação de titular:  «O Pinga-Amor».

 Em 1977, François Truffaut realizou L'Homme qui aimait les femmes.

 É do filme que me lembro quando leio o rol de mulheres que andaram com, por, Saramago, mulheres por quem mostrou amor, simpatia ou quaisquer rituais de sedução.

 Só ele saberia dizer o porquê, se a tanto achasse útil ou necessário.

Se quiséssemos seguir a maledicência  de Joaquim Vieira, e de quem, sobre as mulheres de Saramago pensa os mesmos disparates que Vieira, poderíamos ir à infância/adolescência de Saramago para ficarmos a saber como, provavelmente, tudo começou.

O sublinhado de hoje está na página 42 de  As Pequenas Memórias:

«Quanto à Domitília, fomos apanhados, um dia Quanto à Domitília, fomos apanhados, um dia, ela e eu, metidos na mesma cama, a brincar ao que brincam os noivos, activos, curiosos de tudo quanto no corpo existe para ser tocado, penetrado e remexido. Pergunto-me que idade teria nessa altura e creio que andaria pelos onze anos ou talvez um pouco menos (na verdade, é-me impossível precisar, pois morámos por duas vezes na Rua Carrilho Videira, na mesma casa). Os atrevidos (vá lá a saber-se qual de nós teve a ideia, ainda que o mais certo é que a iniciativa tenha partido de mim) apanharam umas palmadas no rabo, creio recordar que bastante pró-forma, sem demasia da força. Não duvido de que as três mulheres da casa, incluindo a minha mãe, se tivessem rido depois umas com as outras, às escondidas dos precoces pecadores que não tinham podido aguentar a longa espera do tempo próprio para tão íntimos descobrimentos. Lembro-me de estar na varanda das traseiras (um quinto andar altíssimo), de cócoras, com a cara metida entre os ferros, a chorar, enquanto a Domitília, na outra ponta, me acompanhava nas lágrimas. Mas não nos ficou de emenda. Uns anos depois, já eu morava no número 11 da Rua Padre Sena Freitas, ela foi visitar a tia Conceição, e o caso é que não havia ali tia nem tio, nem meus pais estavam em casa, graças ao que tivemos tempo de sobra para acercamentos e investigações que, embora não chegando a vias de facto, deixaram inapagáveis lembranças a um e a outro, ou pelo menos a mim, que ainda daqui a estou a ver, nua da cintura para baixo.»

 

Legenda: imagem colorida por Aida Santos

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