quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O OUTRO LADO DAS CAPAS


 
É bom voltar a Mário Scaramento.

Foram os autores do neo-realismo português e italiano que me abriram os caminhos dos dias no mundo atribulado em que os li. Não foi o pouco que li de Karl Marx que me levaram a esses caminhos. Junto-lhes Albert Camus, Roger Vailland, Roger Marin do Gard, autores americanos, foram eles que me deram, sela lá o que isso for, a visão marxista do mundo.

Num livrinho de Mário Sacramento, Há Uma Estética Neo-Realismo?, lido  pr’aí em 1968, o autor coloca uma epígrafe de Almeida Garrett: «A história do mundo não é senão uma série de reacções e contra-reacções. A da literatura é o mesmo. O que unicamente fica imutável são os eternos princípios da verdade, do gosto e da razão em tudo.»

Mário Dionísio, dos mais inteligentes e claros intérpretes do neo-realismo, mas não se pode esquecer Alexandre Pinheiro Torres, lembrou Fernando Namora que já escrevera que não se pode escrever sobre camponeses que só se tinham visto da janela do comboio.

O Neo-Realismo teve entre nós imensos detractores, provavelmente o mais incompreendido dos movimentos literários do século passado. Tão adulterado, tão vilipendiado pelos que nunca puderam sentir-lhe as raízes e o significado. Ainda por aí andam uns jovens que, sem terem lido nada de nada, bolsam disparates aterradores.

Claro que a expressão neo-realismo tem hoje uma expressão nitidamente datada. Mas foi ali que aprendi parte importante dos parcos conhecimentos que tenho. Foram aqueles autores que intentaram a literatura como instrumento de luta política e ideológica, num tempo de trevas colocado em cena por um botas vindo de Santa Comba, e acolitado por uma série de gente sem escrúpulos, profundamente analfabetos, de baixíssima moral e maus. Talvez, escreveu Alves Redol, «o embalar da esperança valha mais do que o desespero da realidade desesperada»

E não esqueço uma frase do poeta Joaquim Namorado: «Nós dizíamos que éramos neo-realistas porque não podíamos dizer que éramos comunistas.»

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