«Não falta quem culpe o futebol pelo mau ruído que o rodeia, esquecendo que é feito por pessoas. A paixão que suscita mantém-se inexplicável e firme num mundo cada vez mais global. Este Mundial comprova a regra e, nas circunstâncias actuais, é um desanuviamento temporário da nuvem que cobre o próprio mundo. Estão lá os velhos sentimentos à flor da pele, o festejo, o choro, a gritaria, o recalcamento histórico que um par de golos destapou em Bruxelas, quando dezenas de migrantes marroquinos causaram desacatos após a vitória de Marrocos sobre a Bélgica. Só o futebol permite que o pobre se desforre do rico.
Na China, cansados da política de restrições da covid-zero imposta pelo
Governo, o povo também saiu à rua por não querer usar máscaras, a exemplo dos
milhares nos estádios do Catar.
No Irão, a vitória da selecção sobre Gales tirou da cadeia setecentas pessoas presas em protestos contra o regime. No jogo seguinte, viu-se uma das imagens mais tocantes deste Mundial: um jogador iraniano em lágrimas confortado pelo sentido abraço dum rival americano que o vencera em campo, enquanto por trás dos biombos os respectivos gabinetes se digladiam mutuamente.
É o Mundial a viralizar nas redes. O seu impacto é tão grande que a
FIFA quer torná-lo bienal em vez de quadrienal, como agora. Se conseguirem, um
acto de cupidez banalizará o campeonato. O Mundial é um filão para a FIFA, mas
para o futebol é um concílio. Os executivos farão tudo para o espremer.
Entretanto, Portugal segue de vento em popa.»
Carlos Tê no
Jornal de Notícias
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