Partir é tudo o que do céu sabemos, e do inferno basta aqui.
Emily Dickinson
Legenda: fotografia do Arquivo Imagem Global
Emily Dickinson
Legenda: fotografia do Arquivo Imagem Global
A Coordenação e edição pertence a Júlio Sereno Cabral e
estão incluídos onze discursos proferidos por: Óscar Lopes, Joaquim Felgueiras,
Velosos de Pinho, Ribeiro da Silva, Armando Bacelar, Mário Sacramento, Vergínia
Moura, Alexandre Ferreira Barros, Fernanda Gonçalves, Mário Brochado Coelho.
Trata-se de uma Edição de Autor, sem indicação de data,
mas supõe-se que seja Março de 1970. No prefácio, Sereno Cabral lembra Mário
Sacramento que morreu a 27 de Março de 1969 e, por motivo de doença, não esteve
presente nas comemorações do 31 de Janeiro desse ano, mas enviara uma mensagem
que faz parte do livro.
Como epígrafe do livro, uma frase de Mário Sacramento:
«A terra de ninguém
só dá cardos, se é que os dá.»
Coordenação e edição
de Júlio Sereno Cabral
Textos de Óscar
Lopes, Joaquim Felgueiras, Velosos de Pinho, Ribeiro da Silva,
Armando Bacelar, Mário Sacramento,
Virgínia Moura, Alexandre
Ferreira Barros, Fernanda Gonçalves,
Mário Brochado Coelho
Edição de Autor,
Porto s/d
A República está por fazer, como em 31 de Janeiro de 1891! Não basta
retirar um rei e pôr nesse mesmo trono outro homem, para se fazer a República.
É nosso dever lutar por ela, hoje como ontem. E só a unidade pode vencer a
opressão!
(Do discurso de Mário
Sacramento).
Duas vezes me findei antes do fim –
Mas ainda estou pra ver
Se lá na Imortalidade
Isto torna a acontecer
Por forma tão medonha e deseperada
Como as duas que sofri.
Partir é tudo o que do céu sabemos,
E do inferno basta aqui.
Emily Dickinson em 80 Poemas
O mês de Janeiro do ano que corre quase a despedir-se – adeus, adeus, adeus… - e ele ainda não veio aqui lamentar qualquer coisinha sobre os ódios aos meses de Janeiro e Fevereiro que o avô, em tempos de meninice, lhe foi transmitindo e ele tem arrastado por uma vida quase a bater os 78 anos e quando disto fala, nunca se esquece de ir buscar o velho Eugénio:
«Se há na terra um
reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites
e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país
inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em
momentos privilegiados.»
Curiosamente, o avô nasceu no dia 6 de Fevereiro de
1883 e morreu no dia 27 de Fevereiro de 1969.
O circo político
português é um amontoado de absurdos que não foge ao absurdo em que o país se
transformou.
Os disparates são tantos que não há mãos a
medir, o único problema é por onde começar.
Por agora, fujo às
notícias, e começo com um poema da Ana Hatherly.
O poema chama-se Balada do País Que Dói:
O barco vai
o barco vem
português vai
português vem
o corpo cai
o corpo dói
português vai
português cai
o barco vai
o barco vem
português vai
português vem
o país cai
o país dói
o tempo vai
o tempo dói
português cai
português vai
português sai
português dói
1.
Quanto vai custar a
Jornada Mundial da Juventude, a realizar em Lisboa no próximo Verão?
Ninguém tem números
exactos, mas é provável que ultrapasse largamente os 100 milhões de euros.
De fonte quase segura,
sabe-se que o Palco-Altar onde o Papa Francisco celebrará missa, se continuarem
com a mesma ideia, custará mais de 6 milhões de euros.
Que dirão os
sem-abrigo que dormem nas imediações da Gare do Oriente, em Sete Rios?
Lembrar-se-á Marcelo
Rebelo de Sousa que prometeu a erradicação dos sem-abrigo?
Lembrar-se-á a Câmara
Municipal de Lisboa, conforme notícia da página 20 do Público de 27 de Junho de 2019, que iria tirar todos os sem-abrigo
da rua até final do ano de 2021?
No final do ano de
2018, havia em Lisboa cerca de 2470 pessoas sem-abrigo, das quais 361 a viver
rua e 1967 em centros de acolhimento.
Obviamente estes
números, nos dias de hoje, terão largamente aumentado.
Face a esta situação,
a que se junta a fome e a doença, que percorrem os dias desta gente,não há
qualquer argumento que possa explicar o megalómano despesismo com o Festival da
Juventude
A jornalista Helena
Pereira, escrevia no Público:
«Ninguém sai bem na fotografia. Nem a Igreja, nem a Câmara de Lisboa,
nem o coordenador do projecto da Jornada Mundial da Juventude, nem o Governo. O
que é que andam afinal a fazer? A verdade é que, somando cada uma das partes, o
cidadão comum ainda não percebeu quanto dinheiro e como anda a ser gasto para a
recepção da JMJ e do Papa Francisco, em Agosto, no Parque Tejo, em Lisboa.»
2.
Segundo o INE, 2,6 milhões de portugueses vivem com menos de 660 Euros.
3.
Vinte e tal dias depois de se ter demitido, Pedro Nuno
dos Santos descobriu que afinal tinha enviado um whatsapp a aprovar a indemnização de meio milhão de euros da TAP a
Alexandra Leitão.
Esta gente poderá governar um país?
Esta gente pode encontrar ponta de solução para os
professores, para os médicos e enfermeiros que se manifestam nas ruas do país?
Esta gente é igualzinha a outra gente que se perfila para
conquistar o poder.
O PSD, numa sondagem-sujeita-a-todas-as-suspeitas,feita para a TVI/CNN Portugal, consegue ultrapassar o PS e de imediato, vemos Montenegro a ameaçar Costa, caso não mude rumo na governação, irá de imediato a Belém exigir eleições.
4.
Fernanda de Almeida
Pinheiro, nova bastonária da Ordem dos Advogados:
"Portugal tem um problema de corrupção grave"
O problema não é
apenas português, mas, sabe-se, que onde houver dinheiro, há corrupção.
Há dias soube-se que na Ucrâniavários elementos do governo de Zelensky desviaram centenas de milhares de dólares destinados a apoiar o povo ucraniano. Há suspeitas de desfalques de muitos milhões.
A morte recente de
David Crosby trouxe-me à memória este triplo álbum comprado na então Discoteca Melodia na Rua do Carmo, lado
direito de quem subia a rua e que me custou 1.050 escudos, ao cambio de hoje 5 euros e vinte e cinco cêntimos.
No Nukes: The Muse
Concerts For a Non-Nuclear Future, continha
seleccções dos shows do Madison Square Garden, Setembro de 1979, realizado pelo
coletivo Musicians United for Safe Energy . Jackson Browne , Graham Nash ,
Bonnie Raitt e John Hall como os principais organizadores do evento.
O documentário/Filme do Concerto do Madison Square Garden de Danny Goldberg, Antonio Poenza e Julian Schlossberg de 1981, esteve em exibição, Fevreiro de 1983, em Lisboa, no então Cinema Roma.
Este é o alinhamento
dos discos:
DISCO 1
Lado A
Dependin' On You (Doobie Brothers) - Runaway (Bonnie Raitt) - Angel From
Montgomery (Bonnie Raitt) - Plutonium is Forever (John Hall) - Power (Doobie
Brothers with John Hall & James Taylor)
Lado B
The Times They Are A-Changin' (James Taylor, Carly Simon, & Graham
Nash) - Cathedral (Graham Nash) – The Crow On The Cradle (Jackson
Browne & Graham Nash) - Before the Deluge (Jackson Browne)
DISCO 2
Lado A
Lotta Love (Nicolette Larson & The Doobie Brothers) - Little Sister (Ry
Cooder) - A Woman (Sweet Honey in the Rock) - We Almost Lost Detroit (Gil
Scott-Heron) - Get Together (Jesse Colin Young)
Lado B
You Can't Change That (Raydio) - Once You Get Started (Chaka Khan)
- Captain Jim's Drunken Dream (James Taylor) - Honey Don't Leave
L.A. (James Taylor) - Mockingbird (James Taylor & Carly Simon)
DISCO 3
Lado A
Heart of the Night (Poco) Cry to Me (Tom Petty & The Heartbreakers)
- Stay (Bruce Springsteen & Jackson Browne & The E Street
Band) – Devil With The Blue Dress Medley (Bruce Springsteen & The E Street
Band)
Lado B
You Don't Have to Cry (Crosby, Stills & Nash) - Long Time Gone
(Crosby, Stills & Nash) - Teach Your Children (Crosby, Stills
& Nash) - Takin' It To the Streets (Doobie Brothers & James Taylor)
O disco tem pérolas verdadeiramente estimáveis, a maior será a primeira aparição oficial de Bruce Springsteen, e da E Street Band ao vivo.
Outra pérola estimável, mera opinião pessoal, é a participação do público enquanto Crosbt, Stills and Nash cantam «Teach Your Childreen»: « : don't you ever ask them why, if they told you, you would cry, so just look at them and sigh and know they love you.», que aqui no vídeo, tirado do You Tube aparece depois de «You Don't Have to Cry».
Numa entrevista à agência Associated Press, no início desta semana, o Papa Francisco declarou que «ser homossexual pode ser pecado, mas não é crime».
Crime e Pecado.
É provável que há
quem fique um tanto ou quanto à nora com a afirmação do Papa, que tem sido visto
como um Papa de vistas largas. Mas também se sabe que pelo Vaticano ainda
passeiam uma série de mentalidades completamente retrógradas, autênticos velhos
do Restelo como se diria por aqui.
Há uma canção do
Chico, a que Ney Matogrosso deu uma interpretação deliciosamente provocante, em
que se declara que não existe pecado no lado de baixo do Equador Equador.
É para lá que vanos!
Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado safado debaixo do teu cobertor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor
Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me usa, me abusa, lambuza
Que a tua cafuza
Não pode esperar
Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me esgota, me bota na mesa
Que a tua holandesa
Não pode esperar
Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado, rasgado, suado a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é missão de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou embaixador
Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me usa, me abusa, lambuza
Que a tua cafuza
Não pode esperar
Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me esgota, me bota na mesa
Que a tua holandesa
Não pode esperar
A 27 de Janeiro assinala-se o Dia Internacional em
Memória das Vítimas do Holocausto, implementado através da Resolução 60/7 da
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.
O propósito deste dia é não esquecer o genocídio em massa de seis milhões de judeus pelos Nazis e respetivos colaboracionistas. Este constitui um dos maiores crimes contra a Humanidade de que há memória. Por outro lado, pretende-se educar para a tolerância e a paz, bem como alertar para o combate ao antissemitismo.
Ana Cristina Leonardo colocou no seu blogue a imagem que encima este texto, a respectiva citação em inglês, e nós, por aqui, fizemos, à lepra, a tradução:
«O museu de Auschwitz disse na quarta-feira que, por causa da guerra na Ucrânia, a Rússia será excluída da cerimônia que marcará os 78 anos desde que o Exército Vermelho libertou o campo de extermínio nazista.
“Dada a agressão contra uma Ucrânia livre e independente, os representantes da Federação Russa não foram convidados a participar da comemoração deste ano”, disse à AFP Piotr Sawicki, porta-voz do museu no local do antigo acampamento.»
O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.
É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.
Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.
E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.
Natália Correia
Voltou. Não disse nada.
Mas era claro que tivera algum azar.
Deitou-se vestido.
Pôs a cabeça debaixo do cobertor.
As pernas encolhidas.
Anda pelos quarenta mas não neste momento.
Está mas apenas tanto quanto no ventre da mãe,
para lá de sete peles, na protecção do escuro.
Amanhã dará uma conferência sobre homeostase
na cosmo náutica metagaláctica.
Por agora, enrolou-se, adormeceu.
Wislawa Szymborska
António Mega Ferreira
Capa: V. Tavares
Tinta-da-China
Editores, Lisboa, Outubro de 2022
Quando viro o espelho retrovisor da memória para o percurso da minha já
longa vida, é sob a forma de palavras que as diversas etapas, episódios ou
afetos me aparecem. Muitas dessas palavras eram para mim correntes à data dos
sucessos que nomeiam e descrevem; mas, resgatadas hoje, parecem-nos obsoletas,
fora de uso, inutilizadas. Que mistério envolve o envelhecimento e a
obsolescência das palavras? Porque caem em desuso termos como trampolineiro,
infernizar e larápio (ao longo deste livro, as palavras que tenho por
«perdidas» aparecem sempre em itálico), mesmo quando as realidades que nomeiam
se mantêm presen‑ tes, ainda que sob outras formas?
Confesso que é com alguma nostalgia que me lembro de certas palavras da
minha juventude, cujo fulgor rutilava no intenso fascínio do significante,
antes mesmo que o que elas queriam dizer tivesse para mim um significado
inteligível. Colhera o belo verbo nas «rútilas estrelas» de Gonçalves Crespo e
só mais tarde soube que rutilante (arruivado, doura‑ do, cintilante) era um
elegante latinismo de Camões (de rutilans, rutilantis), possivelmente acolhido por via castelhana. Porém, aqui não me refiro
tanto às palavras «caras», que os adultos pronunciavam com aplicação e algum
pretensiosismo, quanto às outras, as que povoavam a conversação, nem sempre
densas de uma história multissecular, mas às palavras sem traço de
novo-riquismo, nobres apenas porque enraizadas na fala vulgar da cidade de
Lisboa, onde nasci, cresci e sempre vivi. Resgatar palavras do relativo
esquecimento em que caíram é desencadear exercícios de reminiscência pessoal
sobre os modos, as circunstâncias, o tempo em que elas foram correntes.
Ao longo dos anos, fui registando numa lista laboriosa palavras que fui perdendo, palavras que tiveram um tempo no meu discurso (na minha vida?), ou que, pelo menos, nela traçaram um rasto fulgurante de cintilações afetivas rapidamente extintas no céu do meu olvido. O que tinha em mente era uma coletânea de murmúrios e reminiscências, de segredos e memórias, um inventário de adversidades e afetos, cada uma das nossas histórias dando às palavras o sentido que lhes atribuí‑ mos, em lentas, sucessivas, respeitosas aproximações. Mas o que resultasse não seria um exercício lexicográfico, muito me‑ nos filológico, e só instrumentalmente etimológico: antes, um álbum de memórias vazadas em palavras cujo eclipse parcial me apetecia resgatar pela evocação, mais um roteiro do que um dicionário. Nada nele seria exaustivo: na realidade, me‑ nos de um terço das palavras listadas acabou por vir à escrita (80 de uma lista de 250). E, dessas, nem todas desapareceram da fala comum; algumas delas apenas se tornaram mais raras, menos correntes, mais «antigas».
«É uma maravilha ouvi-la falar. Na era da desesperança política, Ardern
é frescura, é inspiração, é alegria, é luz. Demitiu-se antes de tempo, sem um
escândalo ou uma crise — para além da crise geral. Podia continuar no poder,
mas disse que já não tem o “tanque cheio, mais a reserva” e que só faz sentido
ocupar o lugar quando o tanque está muito cheio.
Notem as suas palavras: “Não estou a sair porque é difícil. Se fosse
isso, provavelmente teria saído dois meses depois. Estou a sair porque esta
função, tão privilegiada, exige responsabilidade. A responsabilidade de saber
quando somos a pessoa certa para liderar e, também, quando não somos.”
E mais esta: “Espero ter deixado a convicção de que se pode ser gentil,
mas forte. Empático, mas decidido. Optimista, mas focado. Que podemos ser o
nosso próprio tipo de líder — um líder que sabe qual é o melhor momento para
sair.”
Agora que passou o choque da demissão-surpresa, vai especular-se sobre
as reais razões da saída. O “tanque” de Ardern deixou de estar cheio
simplesmente porque é isso que acontece após cinco anos e meio a chefiar um
país? Porque a sua popularidade caiu mais 1% e o rival de direita subiu 2%?
Porque vai ser difícil formar o próximo governo? Porque tem uma filha de quatro
anos e quer ir buscá-la à escola? Porque, por mais que se diga que “já foi
pior”, é muito difícil ser mãe de um bebé e chefe, sobretudo de um país.
Helen Clark, a primeira mulher eleita para chefiar o governo na Nova
Zelândia, disse que Ardern recebeu ataques “sem precedentes” e que a sua demissão
devia pôr a país “a pensar se quer continuar a tolerar a polarização excessiva
que está a tornar a política uma vocação cada vez menos atraente”: “As pressões
sobre os primeiros-ministros são sempre grandes, mas nesta era de redes
sociais, notícias feitas para atrair clicks de leitores e ciclos de media 24 horas por dia, 7 dias por semana, Jacinda enfrentou um nível de
ódio sem precedentes.”
Clark não está sozinha. Outros líderes dizem que a quantidade e
intensidade de abusos e ameaças contra Ardern contribuíram para a sua saída
antes de tempo. Ameaças de morte, perseguições e agressões na estrada, insultos
de todo o tipo, para além de anos a responder às perguntas mais misóginas de se
possa imaginar.»
Devagar vamos aprendendo que os problemas da
participação das mulheres na vida política é um problema de natureza cultural
e, como tal, não se resolve por meio de quotas, decretos ou simpatias.
O filósofo Sófocles,
lá muito para trás, deixou escrito: disse lá muito parabtr
«Quando uma mulher está em condições de igualdade com um homem, torna-se superior» e o escritor Somerset Maugham admitiu que somente a mulher sabe do que a mulher é capaz.
1.
Continuam as
investigações em quase tudo o que são autarquias aqui no pedaço, e tanto quanto
se consegue ver, ou inventar, na Câmara de Lisboa as investigações vão até ao
tempo em que António Costa era presidente.
Continuam os crimes – os que se vão conhecendo –dos padres pedófilos com crianças: A diocese de Viana do Castelo anunciou, ter proibido um padre de Monção, de exercer o sacerdócio depois de este ter confirmado um caso de abuso sexual de menor.
Continuam os
imbróglios com as migrações: Pode chegar aos oito mil euros o salário do diretor da nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo que
vai herdar as funções administrativas do SEF - mais do dobro do vencimento dos
diretores nacionais da Polícia Judiciária,
Os problemas com o
SEF, e similares, denotam que os efectivos são poucos para resolverem as
questões que o assunto exige. Abrimos as
portas aos migrantes mas depois não conseguimos iniciar, conduzir e finalizar o
processo de cada migrante no nosso país.
Continuam os casos de
imigrantes espoliados e tratados como escravos nos campos onde o trabalho
sazonal é assegurado exclusivamente por estes trabalhadores, história bem
sinistras que, volta e meia, chegam ao nosso conhecimento, onde as diversas
máfias impõem a sua força.
A procissão ainda não saiu do adro, mas as palavras do Papa necessitam de um palco com este custo? O que se torna importante: as palavras ou o local onde elas serão proferidas?
«Conheci Maria de Lourdes Modesto, que morreu
esta terça-feira aos 92 anos, em meados dos anos de 1990, num dos Congressos de
Gastronomia do Minho, organizados por Francisco Sampaio e Nuno Lima de
Carvalho. Eram encontros estupendos porque, entre debates sobre papas de
sarrabulho e as estratégias para o turismo termal, havia sempre tempo para se
chegar a estados etílicos alegres e em diferentes escalas, tais eram as
solicitações das adegas da região para a aferição da qualidade do Alvarinho, do
presunto e dos enchidos variados.
O grupo de Lisboa ia para o Minho num autocarro fretado. À frente, os palestrantes, a meio, uns eruditos (com o jornalista António Valdemar à cabeça) e, atrás, a maralha, liderada por esse pândego cativante que era o Hélder Pinho – conhecido no universo gastronómico como Dom Pipas (Capital).»
Guardei o recorte porque a sua morte mandou-me para os
tempos dos meus 13/14 anos em que determinados programas, na televisão
Nordmend, a preto e branco, não tinham outros assistentes que não o avô, eu e o
gato Trafaria.
Ali ficávamos os dois, o Trafaria, ronronando,
aconchegado nos joelhos do meu avô, olhando as habilidades culinárias da então
colaboradora semanal da televisão-canal-único, a sua simpatia, o trato fácil, excelente
comunicadora, era professora no Liceu francês, os seus gestos, o seu grande
sorriso, o gosto pela cozinha alentejana, Beja a viu nascer, um tempo em que
não havia «chefs», apenas cozinheiro(a)s que falavam do que portuguesmente
queriam saber, e José Quitério no seu Histórias
e Curiosidades Gastronómicas, chamou a Maria de Lourdes Modesto, uma das
cada vez mais raras Guardiãs do Fogo.
Mas o recorte também ficou guardado porque Edgardo
Pacheco falava do Helder Pinho, meu grande amigo, jornalista, desde os primeiros
números, de A Capital, das andanças e trangalhadanças de D. Pipas.
Saudades.
Curiosamente, há dias, guardei uns recortes em que Jorge Pereirinha Pires, no «Expresso» escrevia sobre os portugueses na Califórnia («O primeiro europeu a chegar à costa da actual Claifónia foi, como, como se sabe, João Rodrigues Cabrilho. Natural da freguesia de Cabril, perto de Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre.») e onde era referido o nome de Helder Pinho e o livro, Portugueses na Califórnia, que reuniu as reportagens que realizou para A Capital», com prefácio de Jorge de Sena.
«Pede-me Helder Pinho algumas palavras de apresentação do seu livro sobre os portugueses na Califónia que ele publicou por Abril e Maio do corrente ano (1977), no jornal A Capital, e que representavam a soma das suas pesquisas e contactos de jornalista consciencioso e lúcido como poucos, para tão complexo tipo de reportagens jornalisticas e/ou literárias. Pelo que até aqui já vai dito é óbvio que os contactos que com ele tive já vai dito é óbvio que os contactos que com ele tive, o modo como o vi actuar, o que ouvi da actuação dele junto das várias pessoas, e os textos que li atentamente e com prazer e enorme proveito (quem de todos nós faz deste estudos brilhantes e ao mesmo tempo da funda seriedade e sólida documentação, se escreve de gentes e lugares que foi ver só para escrever deles?), me fazem julgar o autor como um admirável e os artigos que ele publicou como nada de efémero, e sim como essencial base documental para entender-se o problema dos portugueses e seus descendentes no estrangeiro, e em particylar na América do Norte.»
Conversando, o meu amigo Helder Pinho, Jorge de Sena, o meu avô, o gato
Trafaria, Maria de Lurdes Modesto, a rara Guardiã
do Fogo, como lhe chamou José Quitério, uma televisão Nordmend, a preto e
branco, comprada a prestações, que levou anos e anos a pagar, e o primeiro programa
que nessa televisão vi, «Nat King
Cole Show» e em boa hora isso aconteceu, memórias e mais memórias…
Disseste: o sol nasceu.
Foi verdadeiramente então que o sol nasceu
e que nos habituámos todos a dizer
que o sol nasceu.
Às vezes pensamos que acontece várias vezes
mas é uma ilusão de óptica que não nos deixa ver
o grande círculo azul em cujo centro
tu dizes eternamente: o sol nasceu.
Pedro Tamen
Morrer virá a seu tempo.
Vida de cão é não poder dizer que não.
Agir como se o tempo não passasse.
Atrás de mim virá quem de mim bom fará.
A inveja é cega.
Tostão poupado é tostão ganho.
O que o mar leva, o mar devolve.
Mas para atrapalhar mais a situação, soube-se que Fernando Medina ministro das Finanças, enquanto Presidente da Câmara Municipaçl de Lisboa, ou alguém por ele, foi o responsável pela escolha de Joaquim Morão.
José António Cerejo
escreve no Público que «a Câmara de Lisboa tinha centenas de engenheiros,
arquitectos e gestores de obras nos seus quadros. Mas os seus responsáveis
resolveram, no meio da trapalhada que o Ministério Público está a investigar,
ir buscar
o homem de Castelo Branco. Porquê? Não se sabe. »
Pelo seu lado,
António Guerreiro escrevia, um destes dias no Público:
«Podemos facilmente
observar, porque os seus signos são de uma enorme evidência, que a vergonha é
um sentimento que desapareceu da política. E digo “da política”, e não “dos políticos”, para evitar a
psicologização e apelar, antes, à referência espinosista que, refutando uma falsa
antinomia entre ideia e afecto, afirma que os afectos são o material da
política.
Os políticos
apanhados a cometer infracções legais ou morais que os destituem tanto no
aspecto político como cívico parecem ser indiferentes ao ethos social e
mantêm geralmente uma atitude de realismo apático e desavergonhado. A
desvergonha tornou-se mesmo um capital simbólico e um motor fundamental da
acção política.
A manifestação
protocolar de agradecimento pela dedicação e sentido do dever aos que se
demitem (voluntária ou coercivamente) porque já não têm condições para ficar,
devido a palavras ou decisões impróprias, tem de ser entendida como uma
operação de branqueamento e uma contribuição para a anulação da vergonha e da
culpabilidade enquanto sentimentos que a racionalidade política do nosso tempo
expulsou da sua acção e até do seu horizonte. A manifestação individual de
vergonha afecta todo o edifício político e afecta, portanto, até aqueles que
não têm nenhuma razão para se sentirem envergonhados. A positividade ética da
vergonha tornou-se uma negatividade política.»
1.
Os valores praticados
no mercado de arrendamento de Lisboa sofreram um aumento de 36,9% no último
ano, atingindo um preço médio de 21 euros por metro quadrado. Com esta subida,
arrendar casa na capital portuguesa ficou com um custo semelhante ao praticado
em Barcelona e mais caro do que em Madrid (17 euros/m2). Aliás, o aumento
verificado em Lisboa é o mais elevado quando comparado com os registados em
Paris, Milão, Madrid e Barcelona.
2.
Fernando Medina falou em "boas notícias" no que se refere aos receios de recessão na Europa após a reunião do Conselho de Assuntos Económicos e Financeiros e rejeitou a necessidade de novo aumento de salários em 2023.
3.
Mário Centeno
confiante de que a zona euro não vai entrar em recessão técnica.
Poder de compra do
trabalho estagnado há 20 anos, Medina rejeita necessidade de novo reforço agora.
Salários: mais de
metade dos trabalhadores recebia menos de 1.000 euros em 2022.
Ainda Fernando Medina:
«A nossa
política salarial é a política adequada para responder às necessidades de
assegurar o poder de compra durante o ano de 2023, sem com isso contribuir para
um amento das tensões inflacionistas no nosso país».
Num curioso livro intitulado “A idade das Obras-Primas”, os investigadores
Francesco Antonini e Stefano Magnolfi levantam a questão do fator idade na
produção das obras marcantes de uma vida. Todos nos impressionamos que Mozart
tenha começado a compor aos 4 anos de idade, a dar concertos aos 6 e que um
mestre com a consciência de Franz Joseph Haydn tenha dito de um Mozart ainda
rapaz que era o maior compositor que havia encontrado.
José Tolentino
Mendonça, de uma crónica no Expresso.
Também pretexto para deixar duas pequenas árias de As Bodas de Fígaro de Mozart.
Se perguntarem o porquê, nem sei bem explicar, e se
calhar nem tem a ver com o atentado de obrigarem rapazes e raparigas de 10 anos,
a seguirem pisadas totalizantes-nazi-fascistas para formar homens e mulheres novos ao serviço do regime salazarista.
Adiante.
Entrou logo na longa lista de «Livros a Comprar», era para o adquirir na Feira do Livro, mas a única
visita feita ao certame foi desastrosa.
Por Dezembro o filho
pediu livros para me oferecer como prenda de Natal.
Assim aconteceu.
Folhei-o, como sempre
gosto de fazer, mas o sentar para ler, após diversas ressacas natalícias,
aconteceu apenas na sexta-feira 13. A 18 estava pronto para entrar no «Olhar as Capas».
Seis dias para ler as 561 páginas de um livro notável que termina assim:
«Hoje sorrio quando penso em Oxford. Foi lá que começou o resto da
minha…»
E ficamos desde já à
espera de outro livro, para ficarmos a saber dos dias maravilhosos que são o resto dos trabalhos, dos gostos e vida
de um homem entusiasmante.
Continua na minha lista de »Livros a Comprar» , Um Vestido Curto de Festa do escritor francês Christian Bobin, que morreu, com 71 anos, noa dia 24 de Novembro do ano passado. A curiosidade nasceu depois de ler esta passagem na Antologia doEsquecimento:
Sim, para que serve ler?
Aqui estaríamos longas horas a falar disso.
«Vou contar um pouco de um mim, jovem adolescente e leitor dos livros da biblioteca ambulante. Escolher um livro quando se é pequeno e as estantes são altas, quando se é curioso e não se conhece bem como a literatura se apresenta, pode criar acontecimentos memoráveis. Ler Pascal e tentar percebê-lo com uma imaginação infantil. Requisitar "A Montanha Mágica" e sonhar, no caminho até casa, com uma leitura do género fantástico, ficar decepcionado mas mesmo assim ler até ao fim e com isso compreender a existência de mundos que estariam no futuro da vida por viver. Relê-lo muitos anos mais tarde porque se teve essa experiência na adolescência.»
Continua o tempo dos
que me ajudaram a palmilhar caminhos, estarem a desaparecer.
Onde estão os fins de
tarde a ouvir o Cândido Mota a anunciar os Crosby, Stills, Nash and Young?
«Que
posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar o
coração, a minha face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu…»
Numa das crónicas que, semanalmente, publica no Expresso,
José Tolentino Mendonça começa assim:
«Em Portugal, que eu saiba, o melhor lugar para ouvir
as cigarras é a poesia de Eugénio de Andrade. Ao menos para mim representa o
sítio onde verdadeiramente as escutei pela primeira vez.»
Conheci Eugénio
de Andrade, corriam os primeiros meses do ano de 1967, nos Poemas, 23º
volume da excelente Colecção Poetas de Hoje da Portugália Editora, que comecei
a adquirir quando um livreiro aconselhou o meu pai que esse seria o melhor
caminho para conhecer boa parte da nova Poesia Portuguesa e Despedida é o
antepenúltimo poema do livro:
«Colhe
todo o oiro do
dia
na haste mais
alta
da melancolia.
Escreve Luís
Miguel Queiros no Público de hoje:
«… cem anos após o nascimento do poeta na freguesia de Póvoa de Atalaia, no
concelho do Fundão, e decorridas quase duas décadas desde a sua morte, em 2005,
a presença de Eugénio parece estar a esbater-se mais depressa do que poderia
esperar quem testemunhou a generalizada admiração de que gozou em vida, mesmo
que esta possa ter sido sempre um pouco menos consensual em Lisboa do que no
seu Porto adoptivo.»
Que se pode esperar
de um país em que poucos, mesmo muito poucos, são os que lêem livros?
O sobressalto de um número recentemente divulgado: 61% dos portugueses não leram qualquer livro impresso de espaço de um ano.
Um povo inculto apenas com os olhos para o que lhes aparece nos telemóveis.
E, no entanto, está tudo nos livros!
«Boa noite. Eu vou
com as aves», como diria o Eugénio.
Legenda: fotografia
de Paulo Pimenta no Público de hoje.
Sobre a mesa os dois livros. Somente um
volume do “Mar de Setembro”, mas do “Ostinato
Rigore”, três exemplares. O meu, o do Manuel, o
do Joaquim. No final do dia ainda se juntaria
um outro, o do José Manuel Bulhão Martins.
Comprados nessa manhã na Guimarães; os três
decidiam-se pelo novo título, eu permaneci fiel,
até hoje, ao mar de setembro. Nenhum deles tinha
a minha relação com o mar, por isso viam no
verso de Eugénio um jovem a trabalhar a terra
vermelha do verão – o seu tronco, o vigor da argila vermelha do verão
mas o mar de setembro dava-me o melhor nadador
de agosto, o que perseguia desde maio até às marés vivas
o apelo absurdo da beleza
o espaço de tempo de um relâmpago
«com o rosto para sempre perdido / com o sorriso e
a sua tez dourada» algum de nós disse, mas nenhum
o chegou a escrever nas folhas que se espalhavam
sobre as mesas de fórmica.
João Miguel Fernandes Jorge
Sou filho de camponeses, passei a infância numa daquelas aldeias da
Beira Baixa que prolongam o Alentejo e, desde pequeno, de abundante só conheci
o sol e a água. Nesse tempo, que só não foi de pobreza por estar cheio do amor
vigilante e sem fadiga de minha mãe, aprendi que poucas coisas há absolutamente
necessárias. São essas coisas que os meus versos amam e exaltam. A terra e a
água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a
minha poesia é capaz. As minhas raízes mergulham desde a infância no mundo mais
elemental. Guardo desse tempo o gosto por uma arquitectura extremamente clara e
despida, que os meus poemas tanto se têm empenhado em reflectir; o amor pela
brancura da cal, a que se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto
duro das cigarras; uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida às
palavras nuas e limpas de um cerimonial arcaico – o da comunicação das
necessidades primeiras do corpo e da alma. Dessa infância trouxe também o
desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas formas ê sempre uma degradação; a
plenitude dos instantes em que o ser mergulha inteiro nas suas águas, talvez
porque então o mundo não estava dividido, a luz cindida, o bem e o mal
compartimentados; e ainda uma repugnância por todos os dualismos, tão do gosto
da cultura ocidental, sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do
desejo num coração de homem. A pureza, de que tanto se tem falado a propósito
da minha poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua
forma mais ardente e ainda não consumada.
Eugénio de Andrade
Não sei quem,
nem em que lugar,
mas alguém me deve ter morrido.
Senti essa morte num arrepio da tarde.
Qualquer amigo, um dos vários
que não conheço e só a poesia
sustenta. Talvez a morte fosse
outra: um pequeno réptil
no sol súbito e quente de Março
esmagado por pancada certeira;
um cão atropelado por um bruto
que, ao volante, se julga um deus
de arrabalde, com sucesso garantido
junto de três ou quatro putas de turno.
Talvez a de uma estrela, porque também
elas morrem, também elas morrem.
Eugénio de Andrade de Os Sulcos de Sede em Poesia
Jorge Calado, nasceu no
dia 6 de Janeiro de 1938.
«Tive sorte com o nome e
com o dia. Chamo-me Jorge e nasci em Lisboa a 6 de Janeiro, Dia de Reis.»
E foi no «Expresso», como
crítico de música clássica, de exposições de fotografia pintura, também de
teatro e cinema, que comecei a deparar com o nome de Jorge Calado e a gostar do
que, e como, escrevia.
«Seis de Janeiro era,
então, festa e feriado: a Epifania, o 12º e último diua de Natal. É também o
título da minha peça favorita de Shakespeare, a «Noite de Reis»
E já venho a citar
«Mocidade Portuguesa», livro que Jorge Calado publicou no Verão passado, livro
de memórias, se bem que o autor nos diga que não o é, tão pouco lhe chama
autobiografia.
Diga-se que é um livro de
memórias.
«Hoje vejo a memória como
um museu cujo conteúdo é precisos estudar, preservar e divulgar.»
Gosto de autobiografias,
livros de memórias, correspondência.
O livro de Jorge Calado é
um livro fascinante, tão perto, tão perto de outro livro que me encantou:
«Memórias» de Rómulo de Carvalho, também António Gedeão.
Tanto num como noutro
livro, ficamos a saber de uma Lisboa de outras eras. Rómulo de Carvalho nasceu
em 1906, Jorge Calado em 1938, Rómulo foi professor no Liceu Pedro Nunes,
Calado aluno do mesmo Liceu e deixa expressa a mágoa de não ter sido aluno
desse notável professor.
Acabei há dias a leitura
do livro que ficou devidamente sublinhado e mercado, um livro belíssimo,
lamentavelmente publicado segundo o atentado dito por Acordês.
“Tenho saudades dos sabores da minha infância, quase todos oriundos do
Ribatejo: os bolos-de-cabeça, a broa de milho, a morcela de arroz, a uva-maçã
cor-de-rosa e carnuda, a erva-doce das broas de Todos-os-Santos, os ouregos
para temperar o tomate acabado de colher.”
Também eu gosto imenso das broas de Todos os Santos que o Garrudo me
trazia, outros tempos, outros tempos, de Alcanena.
Jorge Calado «gostava de seguir as mãos habilidosas da minha mãe
moldando as massas cruas em formas estranhas. Uns pós ou cristais (farinha,
açúcar, fermento ou bicarbonato de sódio, às vezes sal) mais uns líquidos
(água, leite, porventura um cálice de licor ou de vinho do Porto) e uma pasta
(manteiga), vida em miniatura (ovos), e proporções variáveis, formavam o barro
primordial de que eram feitos doce e salgados. Verifiquei que no girar e bater
é que estava a graça, e que a A cozinha não era o estômago, mas sim o coração
da casa.»
Retenho esta frase:
A cozinha não era o estômago, mas sim o coração da casa.
Hei-de voltar mais vezes a este livro mas, por acaso, aberto na página,
copio:
“A roupa passava dos mais
velhos para os mais novos. Fatos antigos e gastos do meu pai eram oferecidos
aos membros mais necessitados da família, e depois adaptados ao novo corpo.
Coisas velhas, avariadas ou partidas não se deitavam fora; antes eram
recicladas e/ou remendadas ou passajadas. Aplicavam-se cotoveleiras às mangas
de casacos e camisolas puídas pelo uso, e nós fundilhos aos calções gastos;
viravam-se punhos e colarinhos às camisas coçadas do meu pai; os sapatos
levavam tacões, biqueiras, meias solas ou solas inteiras novas.
E não me vou embora sem copiar esta frase, devidamente sublinhado,
porque penso do mesmo modo, e retirada da página 21:
«Não me bastava ler um livro; queria possuí-lo, para voltar a ele sempre que quisesse.»
Mocidade Portuguesa
Jorge Calado
Capa: Magda M. Coelho
Colecção Olhares
Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, Lisboa, Outubro de 2022
No verão de 1968, interrompi os trabalhos de doutoramento em Oxford para duas semanas de férias em Portugal. Preparava-me para o meu último ano oxoniano, com a investigação a progredir de vento empopa. Como habitualmente juntei-me aos meus pais no Buçaco para um fim de semana. Lembro-me de estarmos sentados no varandim do hotel a esmoer o almoço, quando o meu pai foi chamado ao telefone. «O Salazar caiu!» era a notícia de um colega de Lisboa. «Não acredito!, acrescentei eu, pensando que a queda era do governo. «Não, o velho caiu da cadeira de repouso e bateu com a cabeça no chão de pedra. A coisa parece ser séria!», explicou o meu pai. A queda do ditador é um daqueles eventos fulcrais – como o assassínio do Presidente Kennedy, a morte estúpida da Princesa Diana ou a destruição terrorista das Torres Gémeas de Manhattan – em que inevitavelmente sabemos onde estávamos quando ouvimos a notícia. Nesse sábado, dia 3 de agosto de 1968, eu estava no Buçaco, O resto não foi silêncio, como no Hamlet; pelo contrário, à semelhança da Criação, de Joseph Haydn, ouvimos luz – a luz bruxuleante da liberdade ao fundo de um longo túnel de quatro décadas de Ditadura.
O mar é a minha mais antiga obsessão. Vivi sempre perto do mar e dum mar que encheu a minha infância de alterosas vagas povoando de terror os meus sonhos. Mas longe do mar ainda hoje sinto um inexplicável exílio.
Penso nisto lendo um livro de A.S. De repente, na página 289, está escrito:
envelhecer é multiplicar-se interiormente.
Ana Hatherly em 351 Tisanas
«Da escolha de presidente de junta de freguesia à de membros do Governo temos mesmo de ser muito exigentes, muito mais exigentes.»
António Costa na
Convenção do Partido Socialista do passado sábado.
Então para que serve aquela coisa, perfeitamente inútil, do questionário aos futuros políticos de 34 ou 36, talvez mais, talvez menos, perguntas?
Exigência é o que se pretende... apenas!
Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.
Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.
Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.
Natália Correia em OVinho e Lira
Há por lá uma secção «Planetário – No Caminho das
Estrelas» da responsabilidade de João Pacheco, filho do poeta Fernando Assis
Pacheco que morreu, prematuramente, à porta da Livraria Bucholz.
Numa das suas últimas colunas, João Pacheco disserta
sobre Movimentos Improváveis:
«O prato do dia era
ensopado de borrego à moda de Borba. Mas o que estava em causa naquela jogada
arriscada era uma garrafa de Porto de 1952. A aposta fora feita à volta da mesa
de bilhar opondo o maître da Casa do Alentejo ao narrador do livro “Requiem”.»
Regressei ao livro e
apanho estas palavras:
«Aparentemente estou
lixado, mas não me vou dar por vencido, é proibido o macê? O macê não, disse
com ironia o Maitre da Casa do Alentejo, mas se o senhor rasgar o pano terá que
pagá-lo. Está bem, disse eu, então acho que vou tentar um macê.»
Na Rua dos Anjos, em
Lisboa, quase a cortar para a Almirante Reis, com o antigo Cinema Lyz na outra esquina, havia um café formidável: o
«Ribatejano».
Café, restaurante, sala de jogos, do lado direito que tem entrava, venda de jornais, revistas e tabacos, engraxador por entre as mesas, um belo balcão.
O antigo Café Ribatejano, o café e o restaurante, a sala de jogos.
O café há muito que fechou
portas e no seu lugar ainda está a Nortel – Utensílios e Equipamentos para Hotéis e Restaurantes.
Tantas horas que
passei naquele café, a ler o Diário de Lisboa, um qualquer livro, o café era de
«saco», tinha uma pastelaria fina e uns excelentes pastéis de bacalhau.
Acabada a leitura,
rumava para a sala de jogos: damas, xadrez, bilhares, a três tabelas e snooker.
Na parede o aviso: «É
proibido o macê».
O mesmo aviso existia na
sala de jogos, no primeiro andar da Cervejaria Portugália.
Nunca tive
habilidades para o bilhar, limitava-me a ver e gostava disso, pricipalmente o snooker.
Ainda o Requiem do
Tabucchi:
«O Maitre da Casa do
Alentejo tapou a garrafa e disse: o que fica é para quem ganhar, acho que
chegou a altura de o senhor experimentar o seu macê.
Levantámo-nos e eu
senti que tinha as peernas pouco seguras, pensei que naquelas condições era uma
milagre se conseguisse acertar na bola, mesmo assim peguei no meu taco, passei
o giz na ponta e fui até à beira da mesa de bilhar. Pus-me na ponta dos pés
para atingir a bola de cima. A minha mão tremia ligeiramente, teria de precisar
de um apoio, mas o macê joga-se sem apoio, de cima para baixo.»
João Pacheco, para
ilustrar o texto, escolheu «Grande Masse», de 1933 do artista japonês NakagawaIsaku e adianta sobre o macê:
«O objectivo do
jogador é picar a bola, mas esse malabarismo é muito arriscado, até para a
saúde do panoi verde da mesa de bilhar. É também esse truque de bilharista que
esta jogadora está atentar na gravura “Grand Masse”»
Por macê não poderia
deixar de trazer aqui a loucura mansa de Alexandre O’Neill com o seu «É Proibido o Macê», que faz parte de «As Andorinhas Não Têm Restaurante», nº 7 da Colecção Cadernos de Literatura, publicado em 1970 pelas Publicações Dom Quixote, livro que levou sumiço da
Biblioteca da Casa:
Ao passar pelo Vicente, Datuatia traqueja e diz para a velha das
castanhas «troque-me este em miúdos!» e ri-se como um selvagem. A tiazinha
fica-se a dar ao abano, como que a espalhar o petisco com que Datuatia a
mimoseara. «Que vá gozar a patusca da mãe dele» diz a tiazinha de mistura com
outras gentilezas de fazer corar o mais conspícuo, mas já Datuatia virara a
esquina na bruta gáspea.
Em menos duma loja de barbeiro, Datuatia chega aos Bilhares, atira o cabedal para uma cadeira, põe a pata em cima do verde e declara que dá quinze às cinquenta a qualquer dos èpás que por ali se coçavam. «Prajá» disse um deles. Chamaram o Rentàterra, que em três trrrins tirou as bolas, depositou-as em cima do verde e preveniu pela estafadésima vez os èpás que era proibido o macê.»