Se não fossem os irlandeses, a ilha de suas majestades não tinha literatura, não tinha música, não tinha cinema.
Esta peça de teatro de Bernard
Shaw é um desfile de bom humor e boa disposição.
E não se pode (re)ler
Pigmalião sem que logo atrás não venha esse extraordinário My Fail Lady, filme
de George Cukor baseado na peça.
João Bénard da Costa:
«Todo este filme é mágico, desde as flores do genérico
ou do décor da praça às sequências-chave da entrada de Audrey Hepburn em casa
de Higgins, do Rain in Spain, da festa, ou do regresso do baile. Mas para qê distinguir»
Tudo neste filme me parece perfeito. Vi-o não sei quantas vezes, nestes 35
anos, e de cada vez só me apetece repetir, dirigindo a Cukor, o prodigioso
«Bravo Eliza» de Glays Cooper, no final.»
Também um velho texto, datado de Novembro de 2010, escrito no tempo em que os animais falavam.
«O cinema é sempre uma festa, mas nunca o foi tanto como naqueles anos
sessenta, a glória das salas escuras, em que ir ao cinema era como um acto
litúrgico, quando o cinema era “com” e não “de”.
O deslumbramento de uma sala como a do “Monumental”, que foi demolida por
decisão desse democrata-cristão, ou vive-versa, Krus Abecasis, personagem de
triste memória para a cidade.
Condições únicas de projecção, cadeiras confortáveis, a magia de “My Fair
Lady”, o esplendor de Audrey Hepburn: “Durante muito tempo, mulheres assim
metiam-me algum susto. Não sei se tinha medo de as partir a elas, ou elas que
me partissem a mim”, para citar João Bénard da Costa em “Muito Lá de Casa”.
Sempre bonita em todos os filmes em que entrou. Mas nunca tanto como neste
filme de George Cukor. Desfazia-se o casamento de Audrey com esse traste
ciumento que foi seu marido e se chamava Mel Ferrer, e, trabalhando até á
exaustão, reinventou Eliza Doolitle.
Sabe-se que a Academia de Hollywood é um ninho de lacraus, mas nesse ano de
1964 esmeraram-se. O filme recebeu doze nomeações para Óscares, ganhou oito, e
conseguiram a proeza de, em quatro nomeações de representação, não terem
incluído Audrey Hepburn.
Numa carta a George Cukor, que se pode ler na autobiografia de Audrey Hepburn,
escrita por Donald Spoto, a actriz desabafa com o realizador:
“Acho que não sou a única que não está às escuras. Parece-me tudo muito simples
– a minha interpretação não foi das melhores. Acredito firmemente que, se fosse
verdade que alguém se queria vingar do Jack Warner ou de mim, ou queria
assegurar o Óscar à Julie Andrews, os seus sentimentos seriam automaticamente
postos de lado se o meu esforço tivesse sido digno. Como “My Fair Lady”
significou tanto para mim, esperava secretamente uma nomeação, mas nunca contei
com um Óscar. Assim, estou desiludida mas não surpreendida como os meus amigos
parecem estar".
Não mais voltou a ver “My Fair Lady” naquelas fabulosas condições de exibição
do “Monumental”, mas guarda a clara e gritante gargalhada da Aida, a ecoar pela
sala, quando naquela deslumbrante cena das corridas de Ascot, Eliza dispara
aquele “mexe-me esse cu velha pileca!”.»
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