Anos 50,60.
Pelo Natal, vendiam-se
perus em alguns locais de Lisboa.
Lembro-me dessas vendas no
Martim Moniz e o que a fotografia mostra é uma venda no Largo de São Domingos.
Em casa do meu pai não se
compravam os perus em Lisboa. Íamos ao Lavradio, quando, desde o Lavradio até à
Baixa da Banheira, tudo aquilo eram quintas. Hoje tudo aqui são florestas e
florestas de cimento.
Aqui se reproduz a
aventura de comprar perus no Lavradio.
Um texto publicado neste
blogue no dia 19 de Dezembro de 2012:
«Tenho dos meus
tempos de miúdo, a lembrança de ver, por estes dias de Natal, no Martim Moniz,
dezenas de alentejanos a venderem perus.
Ramalho Ortigão
escreve no V volume de As Farpas:
«Lisboa prepara neste momento a festa de Natal.
Grandes rebanhos de perus, enrabeirados de lama,
espalham no macadame as suas manchas movediças e escuras, de reflexos de aço
adornadas de florescências brancas e vermelhas dos moncos. Pessoas idóneas
pastoreiam esses galináceos, guiando-os a golpes de cana por entre as rodas dos
trens e por entre as pernas dos viandantes. Na compra destes perus convém
escolher os mais teimosos: à força de Cana são esses os mais tenros.»
A minha avó não
comprava o peru no Martim Moniz.
Um tio materno,
operário da CUF no Barreiro, vivia no Lavradio, quando o Lavradio, até à Baixa
da Banheira, eram quintas a perder de vista.
Na sua casa térrea,
numa dessas quintas, com horta e capoeiras, os perus eram ali criados a bolota.
Perto do Natal, eu
e o meu pai, íamos ao Lavradio buscar os perus.
Na Estação Sul e
Sueste apanhávamos o barco para o Barreiro, ainda movido a carvão.
No Barreiro
apanhávamos a camioneta para o Lavradio.
Barcos e camionetas
eram escassos, com longuíssimos intervalos de espera.
Os peru, patas
amarradas, viajavam numa alcofa.
Trazíamos também
alfaces, tomates, cebolas e tangerinas que exalavam um perfume único e
embalador.
Nisto se perdia
toda uma tarde.
Chegados a casa, a
minha avó embebedava o peru para o Natal com aguardente, e começava os
preparativos para o tempero e o recheio.
Depois era a grande
festa do jantar de Natal.
Nunca, mas mesmo
nunca, voltei a comer um peru como o que a minha avó cozinhava pelo Natal.
Ainda fiz algumas
tentativas, mas já nada era igual.
Nem os barcos a
carvão, nem a camioneta da carreira e o meu tio deixara de ter a horta e as
capoeiras.
O cimento tomou
conta de tudo e hoje o Lavradio, e tudo à volta, é o que é: betão e mais betão.
Depois chegariam os
obsoletos perus de plástico, que se vendiam nos super mercados e nunca mais, no
jantar de Natal, o peru assentou praça como manjar.
Tudo isto é uma
doce memória, mas ao mesmo tempo amarga.
Amarga, porque, tal
como o poema de David Mourão-Ferreira, de que o meu pai muito gostava, se pode
ler:
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio.
Assim foi.,, assim
será… e o Nada há-de retomar a cor do infinito.»
Legenda: Fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa copiada
do Público de 16 de Dezembro.
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