Esta manhã, ao passar pela loja de plantas e flores da minha rua, deparou-se-me de chofre, dependurado no vidro da porta, um cartaz salpicado de neve escandinava com esta legenda, escrita numa língua imprevista (que afinal era norueguês): INGEN JUL UDEN BLOMESTER. (Nenhum Natal sem flores.)
E então aconteceu esta coisa extraordinária: sem o mínimo sentimento de
espanto, como se ainda vivesse numa cidade norueguesa e não se tivessem
esfumado quarenta anos de paixões e de morte, dei um salto no tempo e li o
letreiro com a naturalidade de quem continuava a passear com lentidão
medidativa pelas velhas ruas da Noruega.
Durante alguns segundos esses quarenta anos sumiram-se num poço de sombras e
cosi o presente ao passado – com a sensação estranha de me terem ficado para
trás vários dias por viver que, de vez em quando, vêm aquecer-me (ou gelar-me)
os passos.
José Gomes Ferreira em Dias Comuns
Legenda: pintura de Diego Rivera
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