domingo, 31 de dezembro de 2023

O VELHO ANO


Este salto sem rede, no vazio incógnito de um novo ano.

Chamem-lhe futuro.

Sophia Mello Breyner Andresen sempre se admirou por as pessoas celebrarem a passagem do ano, dizia ela que o ano está sempre a passar.

Há quem nunca deseje bom ano a ninguém, dizem que dá azar. E há a velha sabedoria que nos diz que os anos só são novos enquanto os novos somos nós.


Se viram um amável filme da norte-americana Nora Ephron, com Meg Ryan e Billy Cristal, «When Harry Meet Sally», que, parvamente, em português se chamou, Um Amor Inevitável, o tal filme em que a Meg Ryan simula um orgasmo em pleno snack e, finda a performance, a cliente da mesa ao lado, que esperava para fazer o seu pedido, volta-se para o empregado e diz: «quero o mesmo que aquela senhora», e certamente lembrar-se-ão que quase no final do filme, quando, numa festa de fim de ano, Harry reencontra Sally, começam a ouvir-se os acordes de Auld Lang Syne, e Henry diz que nunca entendeu o significado da canção pois diz que os velhos conhecidos devem ser esquecidos ou que se os esquecemos devemos recordá-los mas como recordar se já os esquecemos? Sally não tem resposta mas, sorrindo, acaba por lhe dizer: “seja o que for é uma canção sobre velhas amizades”.


Chegamos a bom porto: velhas amizades, lembrar os que já não estão connosco, com os que estão, os que ainda fazem do Natal a festa dos amigos, celebrar a amizade, sempre, enquanto não chega a hora do adeus.

É isso!


Ao mesmo tempo lembrar a velha tia, que repetia sempre os mesmos votos de Ano Novo: «não se pede grande coisa: trabalho e saúde...» e sabendo que o meu cachimbo está apagado, o meu copo vazio, ouvir aquela canção celta:

 

«Que a estrada se abra à tua frente,
Que o vento sopre levemente nas tuas costas,
Que o sol brilhe morno e suave na tua face,
Que a chuva caia de mansinho nos teus campos.


Ou aqueles versos de um poema do Jorge de Sena:


 «Já tudo escureceu;

contudo ainda resta algum dia
suspenso de onde veio a noite que chegou primeiro.

É de sempre este resto de dia
e acompanha-a pelo céu em busca das estrelas frágeis.

A noite, uma vez,
compreenderá que ele vem do mesmo lado que ela.» 


Sem comentários: