Gloria In Excelsis
Histórias
Portuguesas de Natal
Apresentação e selecção de Vasco Graça Moura
Colecção Mil Folhas
Jornal Público,
Porto, Dezembro de 2003
No dia seguinte, dia de Natal, era feriado, tal qual como hoje. Andava
muita gente a passear nos campos, e o menino Jesus andava na estrada, a brincar
com a carroça. Claro que olhava, com desconfiança, para todas as carroças que
passavam, a ver se alguma delas era igual à sua. Mas nenhuma era. Foi
brincando, brincando, e já se esquecia desta história toda, quando viu um
homem, lá ao longe, num sítio onde andava menos gente, sentado numa pedra e a
fazer riscos no chão, com uma varinha. O menino Jesus teve pena dele, quis
avisá-lo e aproximou-se.
Ora, o menino Jesus falava uma língua esquisita – o aramaico – que
muitos dos judeus não entendiam, e ainda hoje, segundo parece, não entendem.
Mas ele não tinha culpa; era a que lhe ensinaram em pequeno, mal começara a
estender os braços… Os meninos ainda se lembram de querer agarrar nas coisas
que estão longe? É isso.
Aconteceu, então, que o homem não só não percebeu o que o menino lhe
dizia, como se zangou e o enxotou, ameaçando-o com a vara. É claro que o menino
Jesus deitou a fugir. Quando já estava suficientemente longe quis ver… E o que
viu?
Ao lado do homem, parara uma carroça exactamente igual à sua, puxada
por um tipo que já metera conversa com o outro sentado. E parecia que a
conversa era engraçada, porque ambos se riam muito. Só da boca do que fazia de
cavalo saía um fumozinho branco, que o menino Jesus muito bem conhecia.
Por tudo isto é que o Natal é pai e tem barbas brancas, para se
distinguir do outro, que traz brinquedos do inferno, brinquedos que, como os
meninos também sabem, são feitos neste mundo, tal qual como os outros
brinquedos.
Ora como se vê por esta história, e ao contrário do que até eu próprio
julgava quando comecei a escrevê-la, houve, não uma só, mas inúmeras razões,
para o Natal ser pai e ter barbas brancas. Para acabar, não me perguntem de
quem ele é pai. Não façam perguntas tolas, como as pessoas crescidas. Muito em
segredo, sempre digo que não sei ao certo, o que sei não posso dizer… e, de
resto, talvez os meninos venham a saber mais do que eu.
(Excerto do conto
Razão de O Pai Natal Ter Barbas Brancas de Jorge de Sena).
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