domingo, 17 de dezembro de 2023

OUTROS NATAIS


É Natal. No fundo dói-me sempre esta alegria que me ensinaram a assentir pelo nascimento de um menino gasto pela sua teimosia em vir ao mundo para ser crucificado. Todos os Natais me pergunto: Será este ano que a luz da criança solestical –O Natale  Solis Invicti – prevalecerá sobre a noite do Calvário? Será desta vez que o menino Jesus em veloz corrida divina vai escapar à moral crucificante da sua história? Não o deixam. O peditório para o seu sangue derramado por nós é um preceito indispensável à convicção de que a nossa felicidade não é deste mundo. E assim celebramos o nascimento de Jesus determinado pelos cálculos funestos dos primeiros cristãos: o dia da sua conceição fixado de acordo com o dia da sua morte e este caindo no equinócio da Primavera no qual fora criado o mundo. Por conseguinte: o Advento concebido a partir da criação do mundo crucificado. O selo das trevas no nascimento do deus menino. Era certamente no negrume desta efeméride sombria que a minha tia Hortência, crivada de cilícios sob o vestido pardo, alicorava o suco do ananás para a «mijinha do menino Jesus» que bebíamos no Natal.

Natália Correia em Não Percas a Rosa

Legenda: Pietá de Michelangelo

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