terça-feira, 5 de dezembro de 2023

... NA CELEBRAÇÃO QUE NÃO PODE HAVER


No domingo, não tive grandes notícias do Pai Natal – foi apanhado em Oxford Street em impropérios. Malhando com o badalo na cabeça de um rapazinho de treze anos. A polícia levou-o para averiguações e era todo um espectáculo, barafustando de dentro de uma barba que subira aos olhos e de uma casaca vermelha esgarçada de fiocos de algodão encardido. Ontem foi visto no departamento de lingerie de um grande armazém a espreitar para as cabinas de prova das senhoras. E diz o Times que neste ano de crise, o Pai Natal, por contrato com antecedência com casa da especialidade, faz biscates em festas de adultos, saltando nuinho e de barrete de dentro de um Christmas pudding de plástico, confetti e uma barbicha branca a sublinhar as partes. Mas que importância tem o grotesco crescente das nossas mais ternas celebrações? Uma outra crónica feminina, alarga-se humoradamente sobre a composição da nova mesa de família, alargada, segundo as novíssimas necessidades – uma sogra, a prima dela que é uma senhora com deficiência auditiva, um casal de ex-sogros, dois enteados do primeiro casamento dela, tês filhos do primeiro casamento dele que trazem o namorado de dis deles que é punk e queer, mais a nova criança de meses aos gritos.

Posto isto, o Natal é sem dúvida ainda um tempo deliciosos, crise dentro de crise, cada ano de recessão de orçamentos e esperanças mais patético na sua tenacidade. Queiramos os não, as ausências, as carências e conflitos tornam-se pela quadra mais penosos e agudos – o Natal vai fechando cada grupo humano na celebração que não pode haver.

Maria Velho da Costa em O Mapa Cor de Rosa

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