domingo, 21 de julho de 2013

A VOZ DA TERRA ALENTEJANA


Lisboa, Novembro de 1945, João José Cochofel em Opiniões Com Data:

Uma casual deambulação lírica pela cidade, na companhia do Manuel da Fonseca, acabou por levar-nos até à beira-rio, à hora em que os barcos da outra banda entornam sobre o Terreiro do paço a mancha negra de gente que rebressa de um dia de trabalho. Um pequeno grupo de homens do povo e de soldados adiantou-se a cantar. Alentejanos, sem dúvida alguma. E mais não foi preciso para que o Manuel saltasse para o meio dos desconhecidos e, sem hesitação, juntasse a sua voz à dolorosa voz colectiva da terra alentejana, ali orgulhosamente ostentada. Vieram-me as lágrimas aos olhos, de espanto e comoção. Mas com os alentejanos é assim. Está-lhe na massa do sangue. Todos os pretextos lhe servem para o canto em comum. Uma polifonia bárbara, de raiz ancestral e apreendida por instinto de geração em geração, quando muito reditível a arquétipos, mas insubmissa a regras.

José Gomes Gomes Ferreira tem um poema que diz que nunca viu um alentejano cantar sozinho.

Nunca vi um alentejano a cantar sozinho
com egoísmo de fonte.
Quando sente voos na garganta,
desce ao caminho
da solidão do seu monte,
e canta
em coro com a família do vizinho.

Não me parece pois necessária
 outra razão
-ou desejo
de arrancar o sol do chão-
para explicar
a reforma agrária
do Alentejo.

É apenas uma certa maneira de cantar.

Legenda:

Opiniões com Data, João José Cochofel, Editorial Caminho, Lisboa Outubro de 1990.
Poeta Militante, 3º volume, José Gomes Ferreira, Moraes Editores, Lisboa Janeiro de 1978.

Sem comentários: