Lisboa, Novembro de 1945, João José Cochofel em
Opiniões Com Data:
Uma casual deambulação lírica pela cidade, na
companhia do Manuel da Fonseca, acabou por levar-nos até à beira-rio, à hora em
que os barcos da outra banda entornam sobre o Terreiro do paço a mancha negra
de gente que rebressa de um dia de trabalho. Um pequeno grupo de homens do povo
e de soldados adiantou-se a cantar. Alentejanos, sem dúvida alguma. E mais não
foi preciso para que o Manuel saltasse para o meio dos desconhecidos e, sem
hesitação, juntasse a sua voz à dolorosa voz colectiva da terra alentejana, ali
orgulhosamente ostentada. Vieram-me as lágrimas aos olhos, de espanto e comoção.
Mas com os alentejanos é assim. Está-lhe na massa do sangue. Todos os pretextos
lhe servem para o canto em comum. Uma polifonia bárbara, de raiz ancestral e
apreendida por instinto de geração em geração, quando muito reditível a
arquétipos, mas insubmissa a regras.
José Gomes Gomes Ferreira tem um poema que diz
que nunca viu um alentejano cantar sozinho.
Nunca vi um alentejano a cantar sozinho
com egoísmo de fonte.
Quando sente voos na garganta,
desce ao caminho
da solidão do seu monte,
e canta
em coro com a família do vizinho.
Não me parece pois necessária
desce ao caminho
da solidão do seu monte,
e canta
em coro com a família do vizinho.
Não me parece pois necessária
outra razão
-ou desejo
de arrancar o sol do chão-
para explicar
a reforma agrária
do Alentejo.
É apenas uma certa maneira de cantar.
-ou desejo
de arrancar o sol do chão-
para explicar
a reforma agrária
do Alentejo.
É apenas uma certa maneira de cantar.
Legenda:
Opiniões com Data, João José Cochofel, Editorial Caminho,
Lisboa Outubro de 1990.
Poeta Militante, 3º volume, José Gomes Ferreira,
Moraes Editores, Lisboa Janeiro de 1978.
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