Crónica de Ferreira Fernandes no Diário
de Notícias de hoje:
Todos
os anos, pelo Tour de France, tomo substâncias euforizantes. Injeto esteroides
anabolizantes que me fazem ver arco-íris e formas surreais. Também lhes podem
chamar aldeias francesas. Eu, sentadinho no sofá, vejo casas de camponeses que
são casas de camponeses - em França, São João da Pesqueira não está geminada
com a Damaia-de-Baixo. Se são tetos de colmo, são tetos de colmo, se são
telhas, são telhas, cada região, hoje, como já era no primeiro Tour, em 1903.
Fico narcotizado só de pensar que aquele país, desde aí, foi devastado por duas
guerras mundiais... Todos os anos, em julho, deixo de ser um português sem
vícios e tomo imagens de TV francesa em doses galopantes. As câmaras que
cavalgam motos mostram-me muros de pedra comida por musgo e silvas, e não
blocos de cimento a que se encostam colchões fartos de ser usados e à espera do
carro do lixo da junta. As câmaras dos helicópteros abrem-se sobre pastagens
pontuadas com medas de palha e não sobre merdas de biscateiros que fizeram uma
garagem no meio das vinhas. O campo em França não é de suburbanos que emigraram
sem sair da terra. Os camponeses do Midi e os pescadores bretões não fecharam
as varandas para guardar as botijas de gás, alindam-nas com vasos de flores.
Cuidam dos olhares de fora como nós, nas casas de frontaria medonha, reservamos
os napperons para as visitas. Todos os anos, em julho, o meu controlo dá
positivo e a droga chama-se civilização. Importada.
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