terça-feira, 16 de julho de 2013

TODOS OS ANOS, EM JULHO...


Crónica de Ferreira Fernandes no Diário de Notícias de hoje:

Todos os anos, pelo Tour de France, tomo substâncias euforizantes. Injeto esteroides anabolizantes que me fazem ver arco-íris e formas surreais. Também lhes podem chamar aldeias francesas. Eu, sentadinho no sofá, vejo casas de camponeses que são casas de camponeses - em França, São João da Pesqueira não está geminada com a Damaia-de-Baixo. Se são tetos de colmo, são tetos de colmo, se são telhas, são telhas, cada região, hoje, como já era no primeiro Tour, em 1903. Fico narcotizado só de pensar que aquele país, desde aí, foi devastado por duas guerras mundiais... Todos os anos, em julho, deixo de ser um português sem vícios e tomo imagens de TV francesa em doses galopantes. As câmaras que cavalgam motos mostram-me muros de pedra comida por musgo e silvas, e não blocos de cimento a que se encostam colchões fartos de ser usados e à espera do carro do lixo da junta. As câmaras dos helicópteros abrem-se sobre pastagens pontuadas com medas de palha e não sobre merdas de biscateiros que fizeram uma garagem no meio das vinhas. O campo em França não é de suburbanos que emigraram sem sair da terra. Os camponeses do Midi e os pescadores bretões não fecharam as varandas para guardar as botijas de gás, alindam-nas com vasos de flores. Cuidam dos olhares de fora como nós, nas casas de frontaria medonha, reservamos os napperons para as visitas. Todos os anos, em julho, o meu controlo dá positivo e a droga chama-se civilização. Importada.

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