Miguel Torga escreveu estas palavras no seu Diário,
Volume XIV, em 11 de Março de 1985.
O que magoa, e deixa um enorme rasgo de preocupação,
é que poderiam ter sido escritas hoje:
Continua
o entremez político. A mediocridade e o desplante instalaram-se a todos os níveis
na governação, e Deus nos acuda. Mas não é a degradação da classe dirigente que
mais me aflige. Nunca alimentei ilusões a esse respeito. O que verdadeiramente
me mortifica é o desinteresse, a indiferença com que o país assiste ao
espectáculo. Não se vislumbra o mínimo sinal de indignação. É um alheamento
trágico, que presencia o aviltamento de braços cruzados, impassível, sem um
resmungo, sem uma impaciência. Há horas colectivas más. Esta, para nós, é uma
delas. Enquanto durou a ditadura confiávamos no futuro. Embora subjugados,
éramos subversivos em pensamento. Tínhamos a esperança na vontade e a liberdade
na imaginação. Agora, que fizemos a mais arbitrária revolução da nossa
história, ficámos frustrados e desmotivados. Parecemos mortos a representar a
vida no palco da nação.
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da imagem.
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