sábado, 27 de julho de 2013

TRÊS DIAS DE LUTO NACIONAL


Neste dia, no ano de 1970, às 09:15 horas, e ao fim de setecentos e vinte e cinco dias após uma queda na esplanada do Forte de Santo António, morria o ditador António de Oliveira Salazar.

Da queda da cadeira, até ao dia morte, no Hospital da Cruz Vermelha, depois na residência de São Bento, foi representada uma comédia, uma comédia tão insólita como sinistra.

Rómulo de Carvalho, mais conhecido por António Gedeão, nas suas Memórias, relata  aos filhos dos netos dos meus netos, o episódio da queda da cadeira e o que se seguiu:

A queda de Salazar foi-lhe fatal. Morreu dois anos depois, sem recuperar do traumatismo que sofrera com a queda. Contudo, durante todo esse tempo, retido em casa ou no hospital, sempre os seus vassalos o acompanharam respeitosamente, fingindo que nada tinha acontecido, segundo constou, conversando sobre os problemas da governação, dando-lhe papéis a assinar, sem que o pobre soubesse o que fazia.

Entretanto, logo após a queda, e reconhecida a sua incapacidade para exercer o ofício de governante, foi substituído em todos os cargos sem sequer ter dado por isso.

Este é um dos elementos talvez mais simbólicos do apodrecimento do regime autoritário. Salazar estava mentalmente muito limitado, mas os ministros fingiam realizar Conselhos de ministros na sua presença. O ditador julgava que ainda decidia. À queda da cadeira seguia-se o declínio de uma mente que se esvaziava, em farsa e simulacro.

Em Julho de 1970, terminou a lenta agonia. O antigo chefe de Governo, que os jornais insistiam em chamar "Presidente Salazar", como se ainda governasse, sofreu um súbito agravamento do estado de saúde, por infecção. Pneumonia ou infecção renal, insuficiências cardiovasculares profundas, a situação agravou-se de dia para dia, até ao colapso definitivo, no dia 27 de Julho de 1970, de manhã, quase dois anos depois da mítica queda da cadeira. O regime não iria sobreviver muito tempo a Salazar. Caiu a 25 de Abril de 1974 e o estrondo ouviu-se em todo o País.

Durante os dias de agonia, os fiéis seguidores, Américo Tomás perfilando-se na 1ª fila, afirmavam que Salazar discutia política, e, como julgava ser ainda primeiro-ministro, dava conselhos para a governação do país, concedia entrevistas. Uma dessa entrevistas, foi dada ao jornalista do L’Aurore, Roland Faure, e publicada em 6 de Setembro de 1969, que mais não é que um deprimente chorrilho de disparates.

Nas eleições de Outubro de 1969, Salazar aparece a votar na secção da Lapa.
Salazar deposita o seu voto na urna que para o efeito fora transportada até ao carro em que se encontravam a governanta Maria de Jesus e uma assistente.

Soprou o bolo de velas do 80º aniversário e na residência assistiu à missa, celebrada pelo Cardeal Cerejeira.

Por ocasião do 81º aniversário, recebeu a visita de diversas e variadas gentes que lhe levaram flores e sorrisos.

Não terá dado por nada, mas havia que manter o embuste.

Em vida vegetativa, Salazar protagonizou uma das encenações mais espantosas da nossa história. Durante meses repetiu o papel de presidente do Conselho, fez «reuniões de governo», deu entrevistas, concedeu audiências. Os seus mais antigos colaboradores continuaram a fazer de colaboradores, a ir a despacho, a mostrar-lhe projectos, a pedir-lhe conselhos. (1)

Marcelo Caetano decretou três dias de luto nacional e o corpo, em câmara-ardente no Mosteiro dos Jerónimos, foi depois conduzido para Santa Comba Dão, sendo sepultado numa campa rasa no cemitério do Vimieiro.

Até ao fim dos séculos as gentes se hão-de espantar de como foi possível que a ditadura de um homem só, amargo, desumano, crispado, tivesse lançado o país numa guerra, sem futuro e sem glória, enquanto pelo país, um povo, analfabeto, inculto, vivendo, na sua esmagadora maioria, miseravelmente, sobrevivia de olhares amorfos, complacentes.

Os que se revoltavam, quase poderiam contar-se pelos dedos.

O historiador Fernando Rosas, salientou que nenhum regime se aguenta quarenta e oito anos só com repressão. A mais longa ditadura da Europa, contou sempre com o fundamental apoio da Igreja Católica. Sem os sermões das igrejas, das capelas, das capelinhas, dirigidos um povo analfabeto e inculto, crente de Nossa Senhora de Fátima, o Estado Novo não poderia ter durado perto de cinquenta anos. Junte-se-lhe, a censura, a PIDE, as Forças Armadas e ficamos a saber dos pilares do regime.

Tal como dizia a Lucinda, criada da Nenita:

- Oxalá não morra… É graças a ele que os portugueses não se matam uns aos outros. (1)

O mito de um povo de brandos costumes, um povo perfilado de medo.

1)      – Fernando Dacosta em Máscaras de Salazar, Círculo de Leitores,  Lisboa, Fevereiro de 1998.
2)      – José Gomes Ferreira em Dias Comuns Vol. V, Publicações Dom Quixote,  Lisboa, Novembro de 2010.


Nota do editor: A partir do dia 3 de Agosto, abro um registo de alguns dos dias de Salazar, desde a queda na cadeira, até à sua morte.

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