Neste dia, no ano de 1970, às 09:15 horas, e ao fim de
setecentos e vinte e cinco dias após uma queda na esplanada do Forte de Santo
António, morria o ditador António de Oliveira Salazar.
Da queda da cadeira, até ao dia morte, no Hospital da Cruz
Vermelha, depois na residência de São Bento, foi representada uma comédia, uma
comédia tão insólita como sinistra.
Rómulo de Carvalho, mais conhecido por António Gedeão, nas
suas Memórias, relata aos filhos dos netos dos meus netos, o
episódio da queda da cadeira e o que se seguiu:
A queda de Salazar foi-lhe fatal. Morreu dois anos
depois, sem recuperar do traumatismo que sofrera com a queda. Contudo, durante
todo esse tempo, retido em casa ou no hospital, sempre os seus vassalos o
acompanharam respeitosamente, fingindo que nada tinha acontecido, segundo
constou, conversando sobre os problemas da governação, dando-lhe papéis a
assinar, sem que o pobre soubesse o que fazia.
Entretanto, logo após a queda, e reconhecida a sua
incapacidade para exercer o ofício de governante, foi substituído em todos os
cargos sem sequer ter dado por isso.
Este é um dos elementos talvez mais simbólicos do
apodrecimento do regime autoritário. Salazar estava mentalmente muito limitado,
mas os ministros fingiam realizar Conselhos de ministros na sua presença. O
ditador julgava que ainda decidia. À queda da cadeira seguia-se o declínio de
uma mente que se esvaziava, em farsa e simulacro.
Em Julho de 1970, terminou a lenta agonia. O antigo
chefe de Governo, que os jornais insistiam em chamar "Presidente
Salazar", como se ainda governasse, sofreu um súbito agravamento do estado
de saúde, por infecção. Pneumonia ou infecção renal, insuficiências
cardiovasculares profundas, a situação agravou-se de dia para dia, até ao
colapso definitivo, no dia 27 de Julho de 1970, de manhã, quase dois anos
depois da mítica queda da cadeira. O regime não iria sobreviver muito tempo a
Salazar. Caiu a 25 de Abril de 1974 e o estrondo ouviu-se em todo o País.
Durante os dias de agonia, os fiéis seguidores, Américo
Tomás perfilando-se na 1ª fila, afirmavam que Salazar discutia política, e,
como julgava ser ainda primeiro-ministro, dava conselhos para a governação do
país, concedia entrevistas. Uma dessa entrevistas, foi dada ao jornalista do L’Aurore,
Roland Faure, e publicada em 6 de Setembro de 1969, que mais não é que um
deprimente chorrilho de disparates.
Nas eleições de Outubro de 1969, Salazar aparece a votar na
secção da Lapa.
Salazar deposita o seu voto na urna que para o efeito fora
transportada até ao carro em que se encontravam a governanta Maria de Jesus e
uma assistente.
Soprou o bolo de velas do 80º aniversário e na residência assistiu
à missa, celebrada pelo Cardeal Cerejeira.
Por ocasião do 81º aniversário, recebeu a visita de diversas
e variadas gentes que lhe levaram flores e sorrisos.
Não terá dado por nada, mas havia que manter o embuste.
Em vida vegetativa, Salazar protagonizou uma das encenações mais
espantosas da nossa história. Durante meses repetiu o papel de presidente do
Conselho, fez «reuniões de governo», deu entrevistas, concedeu audiências. Os
seus mais antigos colaboradores continuaram a fazer de colaboradores, a ir a
despacho, a mostrar-lhe projectos, a pedir-lhe conselhos. (1)
Marcelo Caetano decretou três dias de luto nacional e o
corpo, em câmara-ardente no Mosteiro dos Jerónimos, foi depois conduzido para
Santa Comba Dão, sendo sepultado numa campa rasa no cemitério do Vimieiro.
Até ao fim dos séculos as gentes se hão-de espantar de como
foi possível que a ditadura de um homem só, amargo, desumano, crispado, tivesse
lançado o país numa guerra, sem futuro e sem glória, enquanto pelo país, um
povo, analfabeto, inculto, vivendo, na sua esmagadora maioria, miseravelmente, sobrevivia
de olhares amorfos, complacentes.
Os que se revoltavam, quase poderiam contar-se pelos dedos.
O historiador Fernando Rosas, salientou que nenhum
regime se aguenta quarenta e oito anos só com repressão. A mais longa
ditadura da Europa, contou sempre com o fundamental apoio da Igreja Católica. Sem
os sermões das igrejas, das capelas, das capelinhas, dirigidos um povo
analfabeto e inculto, crente de Nossa Senhora de Fátima, o Estado Novo não
poderia ter durado perto de cinquenta anos. Junte-se-lhe, a censura, a PIDE, as
Forças Armadas e ficamos a saber dos pilares do regime.
Tal como dizia a Lucinda, criada da Nenita:
- Oxalá não morra… É graças a ele que os portugueses não se matam uns
aos outros. (1)
O mito de um povo de brandos costumes, um povo perfilado
de medo.
1)
– Fernando Dacosta em Máscaras de Salazar, Círculo
de Leitores, Lisboa, Fevereiro de 1998.
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