ESCOLHER CERTO
Em 1978 Joaquim Benite, com o seu Grupo de
Campolide, sai do Teatro da Trindade e instala-se numa colectividade almadense. Abandona uma das mais belas salas
do País e vem para o meio dos operários. Estreia um autor comunista desconhecido,
José Saramago. Cria uma mostra de teatro amador, que se transforma num dos mais importantes festivais
da Europa—trinta edições depois, verificamos que escolheu certo.
Apostando na diversidade estética, pautada pela
excelência artística, o Festival de Almada tem sido um local de encontro – de encontro
entre artistas, mas sobretudo de encontro entre artistas e o público. Como tal,
numa recente época de relativa abundância, durante a qual pulularam luminárias fátuas
e vazias de sentido, nessa época em que a Cultura foi também um negócio, o Festival
apostou no fortalecimento de laços
com os teatros seus parceiros(aqueles geridos por
artistas) — e com a sua Cidade.
Nesta 30.ª edição apresentamos de novo os grandes
criadores e intérpretes do teatro europeu; regressa a mais importante Companhia
portuguesa independente, a Cornucópia; há duas óperas, um concerto sinfónico,
seis estreias e um ciclo de teatro nórdico — e, não por acaso, há também espectáculos
de cada um dos PIIGS. Sabíamos o que aí vinha: o desinvestimento na Cultura não
começou com este Governo, não
se trata desta ou daquela cor política, deste ou
daquele governante – é outra coisa. Sabíamos que a ideologia liberal não encara o livre
acesso dos cidadãos à Cultura como um direito, embora ele esteja consagrado na
Constituição. Sabemos que a uma classe dirigente inculta e mal preparada não lhe convém uma
população bem formada e com poder reivindicativo. Aos jovens formados pelo
Estado, em cuja educação o mesmo Estado tanto investiu numpassado recente, é-lhes
agora sugerido que emigrem. E, como
Prevíamos o que aí vinha, reunimo-nos àqueles que pensam
como nós e preparámo-nos para resistir, apresentando uma das melhores
programações dos últimos anos.
Em 2013 a subvenção estatal diminuiu ainda mais –
mas apresentamos mais dez espectáculos do que no ano passado, com a garantia
de qualidade, por exemplo, do Odeón – Théâtre de l’Europe, ou do Théâtre de la
Ville. Acreditamos, porque no-lo ensinaram, que um público mais informado e mais
exigente reivindicará num futuro próximo aquilo que lhe é devido.
Podíamos ter ficado a chorar sobre o leite
derramado—mas a gente não escolhe assim
.
Rodrigo Francisco
Director
Artístico
(Detalhes e programação em 30ªFestival de Almada).
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